A culminância das atividades da tradição germânica de 125 anos do Tiro ao Alvo, na comunidade de Linha Clara, é o Baile do Rei. O evento reúne os atiradores e simpatizantes do esporte, para coroar os melhores atiradores da edição.
O Baile do Rei será no sábado, 1º de março. O evento inicia com a recepção ao rei, Dalvane Wehrmeier, e toda a corte dos melhores atiradores – definida na competição do Tiro Rei, que foi realizada no dia 29 de setembro de 2024. A comitiva se reúne às 18h, na residência de Adêmio Krützmann, na ERS-419, nas proximidades da Associação dos Funcionários da Languiru (Mimi). Após um rápido cerimonial, os participantes seguirão, em caravana, à Associação Cultural e Recreativa de Linha Clara, que promove o evento e em cuja sede ocorre a coroação.
Além do rei, a corte é composta pela rainha, Mildi Wilsmann, 1º cavalheiro, Eloir Rückert, 2º cavalheiro, Vilson Wiebusch, 1ª princesa, Deise Brackmann, 2ª princesa, Daiane Stapenhorst, e melhor atirador, Adêmio Krützmann.
Após a colocação dos broches e fotos dos atiradores com seus padrinhos, inicia a janta, ao preço de R$ 60,00. Às 22h, ocorre o baile, tendo na animação o Musical Monte Claro.
Origem das sociedades de atiradores
As sociedades de atiradores, ou Schützenvereine, surgiram nas cidades autônomas medievais de fala germânica, como forma de organizações de defesa, em especial contra abusos dos senhores feudais e reis, assim como para a proteção contra invasores.
Hoje em dia, essas sociedades de tiro estão presentes na Alemanha, Áustria, Itália e Suíça. Os membros praticam tiro esportivo com regras e armas específicas. A organização dos Schützenvereine, na Alemanha, é promovida pela Deutscher Schützenbund, originalmente fundada em 1861, em Gotha, e refundada após a Segunda Guerra Mundial, em 1951, em Frankfurt. Ela conta com cerca de 15 mil clubes e 1,5 milhão de membros, sendo a terceira maior organização de esportes na Alemanha.
Atiradores no Brasil
O historiador, teólogo e doutor Martin Dreher, em entrevista ao jornalista Felipe Kuhn Braun, no programa “Unsere Familien”, da Vale TV, destaca que, embora a Europa tivesse proibido, após a queda de Napoleão Bonaparte, a exportação de soldados, o ajudante de ordens da Princesa Leopoldina, Georg Anton von Schäffer, recebeu a incumbência de José Bonifácio, pouco antes da Independência do Brasil (7 de setembro de 1822), de ir à Europa central recrutar soldados para que o Brasil pudesse ter um exército confiável. “Os soldados recrutados ficaram no Rio de Janeiro para formar dois batalhões de estrangeiros, e as famílias vieram ao Rio Grande do Sul para criar uma colônia de agricultores. Esses soldados participaram da Guerra do Prata, da Revolução Farroupilha e da Guerra do Paraguai”.
Dreher lembra que, aos interesses da corte portuguesa, a vinda desses soldados era estratégica também para ocupar as terras do Rio Jacuí em direção aos rios do Sinos, Gravataí, Caí e Taquari, que era região de floresta subtropical e que também devia ser ocupada, para defender as fronteiras numa eventual tentativa de reconquista do território – que antes já pertencia aos espanhóis – pelos castelhanos.
Sobre a origem das sociedades no Rio Grande do Sul, o pesquisador cita a chegada de soldados da região da Prússia, contratados para lutar na Guerra do Prata – que foi de agosto de 1851 a fevereiro de 1852.
“A partir dos anos de 1850, findadas as necessidades militares, os Brummer passaram a influenciar e a liderar a criação das sociedades de canto, de leitura, de ginástica e de tiro ao alvo” – Martin Dreher
O historiador e professor Guido Lang salienta que os grupos de atiradores, chefiados e organizados por ex-combatentes das guerras napoleônicas e da unificação alemã, visavam inibir a ação de bandoleiros e invasões de localidades e propriedades por ladrões e revolucionários, além de manter a autodefesa contra eventuais ataques e raptos de bugres. “O argumento oficial da formação das entidades era o da prática de tiro ao alvo como atividade esportiva de pontaria. Os imigrantes evitavam maiores conflitos e transgressões da legislação existente”.
Linha Clara
A Sociedade de Atiradores Linha Clara (Schützenverein Clara) foi fundada em 1910. As atividades cessaram em 1938, devido à política de nacionalização imposta pelo Estado Novo, do então presidente Getúlio Vargas, e à 2ª Guerra Mundial (1939-1945). A entidade foi forçada a desativar seus estandes de tiro, bem como a eliminar todos os arquivos históricos e documentos. Houve, inclusive, a proibição do uso público da língua alemã, fazendo com que muitas pessoas não pudessem se comunicar fora de suas casas, por não dominarem a língua portuguesa.

Último baile antes da primeira interrupção das atividades ocorreu em 1938 | ARQUIVO
A vontade de reavivar a tradição e retomar a prática do tiro ao alvo fez com que a Sociedade de Atiradores de Linha Clara fosse novamente ativada, em 18 de janeiro de 1953. A sede funcionava no antigo Salão Lindemann, ao lado do Antick Haus Bergmann, e o estande de tiro estava instalado do lado oposto, em direção à propriedade da família Tiggemann.
Desde 1959, com a inauguração do prédio da Sociedade Cultural e Recreativa de Linha Clara (hoje Associação Cultural e Recreativa de Linha Clara), a sociedade de atiradores passou a ter sede no mesmo local, com o estande de tiro, inclusive. Todos os alvos estão expostos na sede local. Antes disso, somente alguns alvos, que ficaram escondidos, foram salvos, pois a maioria teve que ser destruída na época do Estado Novo e da 2ª Guerra Mundial.
O atual diretor do Departamento de Tiro, Silvério Schwingel, 60 anos, é atirador desde 1984 e integrante da diretoria da entidade desde 1992. Com o sentimento de orgulho por contribuir com a cultura e a memória dos antepassados, Schwingel é da 5ª geração de praticantes, tradição herdada do trisavô, Hermann Loose, que veio da Alemanha em 1874. Ele relata que, quando deixou de ter o objetivo de proteção, a atividade passou a ter apenas cunho esportivo e de homenagem, uma vez que salvas de tiros eram disparadas ao ar quando do sepultamento de atiradores. Schwingel reconhece que a entrada das mulheres na prática do esporte, a partir de 1996, deu um novo fôlego e vem sendo essencial para manter viva a tradição.
Lang sustenta que cultivar a tradição dos ancestrais, incrementar amizades e promover a recreação são as funções das sociedades de tiro na atualidade. Ele lamenta, porém que o Estado brasileiro, em relação às arbitrariedades cometidas na 2ª Guerra Mundial, jamais devolveu ou indenizou os confiscos de bens, desculpou-se da literatura destruída ou reparou as humilhações cometidas contra cidadãos teuto-brasileiros.
“É tarefa e obrigação dos descendentes germânicos no país conservar sua cultura, relembrar sua história e orgulhar–se de suas origens” – Guido Lang
Os associados da entidade realizam treinos periódicos no estande. Na região, a Linha Clara é a única comunidade que realiza o tiro ao alvo na categoria carabina apoiada, utilizando carabina de ar pré-comprimido (PCP).