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ILUSTRE CIDADÃO

“O que mais deu sentido à minha vida também foi o que mais me trouxe conflitos”

O quadro Ilustre Cidadão entrevista Sílvio Meincke

Por: Marco Mallmann

21/08/2025 | 10:45
Sílvio Meincke | Foto: Marco Mallmann
Sílvio Meincke | Foto: Marco Mallmann

Natural de Linha Geraldo, Estrela, o pastor aposentado da IECLB, Sílvio Meincke, tem uma forte conexão com Teutônia. De 1991 a 2002, foi pastor na Comunidade Redentor, do Bairro Canabarro, e se envolveu com diversas questões, com destaque para o meio ambiente, a educação e a fé voltada às ações sociais, criando laços que perduram até hoje. Aos 83 anos, reside em Schwäbisch Gmünd, em Baden-Württemberg, na Alemanha, e contribui com projetos de instituições que apoiam a sociedade brasileira, como a Brot für die Welt, que destina recursos para construção de cisternas em áreas rurais com escassez hídrica, no nordeste brasileiro. 

Como foi sua aproximação com a teologia?

Sílvio Meincke Completei o primário na Escola General Daltro Filho, em Linha Geraldo. O então professor, Ewaldo Schneider, visitou meus pais e os convenceu de que eu deveria continuar nos estudos, porque gostava dos livros. Fui matriculado na Escola Superior de Teologia (EST). Passei 11 anos no Morro do Espelho, em São Leopoldo. Depois de muitos anos de trabalho em Cunha Porã (SC), Ijuí e Estrela, fui convidado a ser professor na EST, onde trabalhei 8 anos, depois 2 anos como assessor em movimentos sociais que acompanhavam os negros, os sem moradia e os sem-terra, originados do êxodo rural, fenômeno que encheu as periferias das cidades. 

E a experiência com os movimentos sociais no oeste catarinense?

Meincke Minha atividade não foi bem vista, porque 1968 foi o ano da criação do Ato Institucional (AI) Nº 5 e eu estava numa área de observação máxima. Eu reunia os agricultores, indicava textos bíblicos para que eles lessem em conjunto, fazia perguntas em papel mimeografado e distribuía nas casas. Os vizinhos se reuniam para refletir e isso foi muito mal visto pelo regime militar. Isso me custou 2 anos de perseguição pelo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e de extremas formas de humilhação e amedrontamento. Fui recebido pelo sargento e ele, ladeado de dois soldados com fuzis, me disse: “você não precisa trazer aqui seu bispo, nem o papa, nem Jesus Cristo, porque nós temos nossas próprias leis. E agora, você me responde as perguntas com ‘sim’ ou ‘não’”. 

Quais as lembranças que tens do período como pastor em Teutônia?

Meincke Foram 12 anos, de 1991 até o final de 2002. Foi uma época de muitas experiências bonitas, como a criação do grupo Vocal Liberdade, que cantava as letras que eu escrevia. Excursionamos inclusive pela Alemanha. Foi uma maravilha e alguns desses hinos estão sendo cantados nos cinco continentes, no mundo todo, inclusive há tradução para o japonês. 

E o movimento em defesa do Arroio Boa Vista?

Meincke Sempre considerei que o amor de Deus não se restringe ao ser humano, mas à natureza toda que ele criou. Levei os confirmandos para as nascentes do Boa Vista, em Carlos Barbosa, e fiquei chocado com o que vi. Todo o esgoto entrava ali. As caminhadas que organizamos serviram para conscientizar, mas foi o primeiro passo. Nós somos apenas uma parte da natureza. Estamos em grande perigo, porque a humanidade está gastando cada vez mais rápido os recursos recuperáveis do planeta. 

O senhor sugeriu a criação da sede do Sínodo Vale do Taquari em Teutônia?

Meincke Sim. A área era destinada à Liga de Cantores do Vale do Taquari, mas não era muito utilizada. A ideia foi que a sede ficasse localizada em Lajeado, a maior cidade do Vale, e de que se buscasse verba da Alemanha para financiar a construção. Eu não concordei com isso, porque tínhamos o prédio aqui. Com muita conversa, obtive a anuência da administração e do sínodo.

Como ocorreu a criação do turno inverso no município?

Meincke Na década de 1990, Teutônia recebeu muitas famílias de outras regiões. Havia muitas crianças que encontraram dificuldades de entrosamento e integração. Sugeri a criação do turno inverso para que essas crianças pudessem fazer o tema de casa, aprender a praticar esportes e a se integrar em nossa sociedade. Isto iniciou na escola em Linha Germano e penso que evitou muitos problemas sociais em Teutônia.

Qual é o legado que deixaste para a sociedade?

Meincke O que mais deu sentido à minha vida também foi aquilo que mais me trouxe conflitos, ou seja, baixar a mensagem do Homem de Nazaré para a realidade social do lugar onde atuei. Jesus proclamou o projeto do reino de Deus há mais de dois mil anos, numa sociedade que tinha 92% de pessoas abaixo da linha da pobreza. O que eu sempre tive por objetivo foi levar a mensagem cristã para dentro da poeira da realidade brasileira. Ele proclamou o Reino de Deus como uma sociedade alternativa, com três características: os últimos serão os primeiros; os pobres terão razões para serem felizes; e a partilha do pão, que deve ser socializado.

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