Comecei a envelhecer em 10 de novembro de 1945. Recebi alimentação de seio materno, mamadeira, canudo. Precisei de fraldas. Muito amparo. Engatinhei. Depois, aprendi a me erguer e a me segurar para poder me locomover. Cambaleei e necessitei de apoios. Passei por aprendizados, entre eles a orar: “Ich bin klein, mein Herz mach rein, soll niemand drinn’ wohnen als Jesus allein” (Sou ainda pequenino e tenho o coração limpinho e nele, sem cessar, Jesus há de morar). Depois cantei: “Befiehl du deine Wege, und was dein Herze kränkt, der aller treusten Pflege des der den Himmel lenkt. Der Wolken, Luft und Winden gibt Wege, Lauf und Bahn, der wird auch Wege finden, da dein Fuss gehen kann.” (Confia o teu caminho a teu fiel Senhor! Teu coração mesquinho, com todo o seu temor: Ao Deus onipotente entrega-o sem tardar; teu Criador clemente não te há de rejeitar.) Fugi, tomei banho de chuva, tive pneumonia. Lembro de pastor, tia Sophia e mamãe, orando junto a minha cama. Tive que aprender a repartir, pois vieram irmãos e irmãs. Fui à escola dominical. Depois, à escola regular. Estudei Teologia. Tive crises de fé. Conheci Walli. Com ela casei. Amadurecemos e embranquecemos juntos. Tivemos filhos, depois netos. Pude ser pastor e professor. Em 2011, veio a aposentadoria. Aos poucos, fui aprendendo o que São Paulo diz em 1 Coríntios 13: “Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, pensava como menino; quando cheguei a ser homem, deixei as coisas próprias de menino”. Agora, começo a pensar nas palavras de Jesus: “Quando for velho, você estenderá as mãos, alguém vai amarrá-las e o levará para onde você não vai querer ir” (João 21, 18). E, espero não ter que experimentar o martírio de Pedro. Ao longo de minha vida acumulei muito conhecimento, sabedoria. Até riqueza. Conheci pessoas, países, regiões. Tive esperanças. Agora, começo a vacilar. Preciso de bengala, talvez venha a engatinhar, a sugar canudo, usar fraldas novamente e ter, mais uma vez, pessoas ao meu redor, temerosas por minha saúde. Vendo como em antigo espelho polido em lâmina de cobre, imagens distorcidas, vou descobrindo que não conheci tudo, mas espero conhecer. Minha fé, por causa da ressurreição de Jesus, é a de que a morte não tem a última palavra. Tenho esperança de poder descansar como Lázaro no seio de Abraão. O que resta no fim? O Amor. Ele jamais acaba (1 Co. 13). Apesar da solidão dos moribundos (Norbert Elias), também eles estão “no amor”. “No amor não existe medo” (1 Jo 4.18). Deus é Amor. Assim como abri os olhos em 10/11/1945 terei que abrir os olhos e verificar que estou “no amor”, a casa do amor divino, onde não há temor.
Por fim, uma palavra de Agostinho de Hipona: “Fecisti nos ad te et inquietum est cor nostrum donec requiescat in te” (Confessiones 1,1,1). “Fizeste-nos para ti e nosso coração está inquieto até que descanse em ti”.