Com o professor Dino del Pino aprendi que cultura é todo o fazer humano. Se assim for, estamos em um constante agir no ambiente que habitamos e, por meio dessa ação, transformamos e educamos continuamente. Esse movimento incessável tem consequências inevitáveis. É preciso lembrar que a não-ação é uma forma de comportamento, que, igualmente, gera resultados desejados e indesejados.
Na Languiru da minha infância, um pacato vilarejo, então distrito de Estrela, no Rio Grande Sul, tinha, como precioso legado, um arroio que melhorou a nossa vida. Até o início dos anos 1970, não havia água encanada em Languiru e lembro que a cisterna, no porão da nossa casa, secava nos longos períodos sem chuva. A roupa era então lavada no arroio, momento em que a meninada se juntava para muita brincadeira de verão. Meus pais iam munidos de dois tarros de leite que voltavam com água para o uso em casa. Não se sabia o grau de limpeza da água. Estamos, crianças da época, vivos até hoje.
O Boa Vista, nome do arroio afluente do Taquari, foi local de muita diversão e aprendizagem. Graças às tardes inteiras em suas águas aprendemos a nadar, a mergulhar, a sobreviver, enfim, em brincadeiras divertidíssimas. A forma física da garotada era admirável. Alimento também era retirado de suas águas. Quanta fritada de lambari saboreada no jantar. A pescaria era diversão para a turma que se juntava com seus caniços de bambu, linha, anzol e isca.
Pudemos ter uma infância que nos desafiou a superar nossos limites e a construir aprendizagens que hoje fazem a diferença em nossas vidas. Um rico legado.
O teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer, militante antinazista e assassinado por isso, disse certa vez: “A moral de uma sociedade expressa-se por meio daquilo que ela faz de suas crianças.”
Recebemos um arroio balneável e potável. Não aprendemos a preservá-lo para que seja um legado aos que nos sucederão.
O nosso legado vai para além daquilo que construímos; é também aquilo que preservamos, que não destruímos.
Nossa moral não anda lá essas coisas.