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Raízes de um Polo

No DNA do Bairro Canabarro, o setor calçadista

Há mais de 50 anos, localidade foi berço de indústrias que impulsionaram a economia do município

Por: Marcel Lovato e Marco Mallmann

08/04/2025 | 08:25 Atualização: 08/04/2025 | 08:25
Na década de 1970, o então presidente da República, Ernesto Geisel (de óculos), veio visitar a Calçados Augustin e Reichert para conhecer o sistema da empresa  exportadora | Foto: Arquivo/Marco Antônio Fontana
Na década de 1970, o então presidente da República, Ernesto Geisel (de óculos), veio visitar a Calçados Augustin e Reichert para conhecer o sistema da empresa exportadora | Foto: Arquivo/Marco Antônio Fontana

Referência no Vale do Taquari, o Bairro Canabarro tem, na índústria calçadista, as raízes do seu desenvolvimento. Uma relação social, econômica e cultural que já dura mais de meio século. Uma das testemunhas desta história é Marcos Antônio Fontana, 77.

Natural de Caxias do Sul, ele teve primeiro contato com o município no início da década de 1970, quando ainda era estudante, em Porto Alegre, por meio do amigo engenheiro Nestor Schneider, de Estrela. Naquela época, a Calçados Reichert, de Campo Bom, já comprava couros do curtume Reynaldo Affonso Augustin para produzir calçados femininos em couro para a Europa.

O curtume contratou Schneider para construir uma fábrica de calçados para exportação, nos moldes das fábricas de Novo Hamburgo e Campo Bom, que estavam tendo sucesso. “Eu estudava desenho arquitetônico e vinha junto nos finais de semana para ajudar a desenvolver o projeto. O Nestor acabou não aceitando e eu fui convidado, mas também não aceitei, porque Teutônia era muito pequena e a infraestrutura era bastante precária”, recorda.

No entanto, pouco tempo depois, Fontana aceitou a proposta da empresa e veio a Canabarro. “Começamos a Augustin e Reichert SA em 1973, na Rua Carlos Arnt. Foi um momento muito interessante para as empresas, porque o governo necessitava equilibrar a balança comercial, gerar empregos, agregar valor à matéria prima e exportar. Para isso, concedeu incentivos fiscais”. O empresário lembra que a empresa iniciou com cerca de 40 funcionários. No segundo ano, já empregava mais de 150.

Expansão

A Calçados Augustin Reichert S/A foi a primeira 100% exportadora, no setor calçadista brasileiro. O presidente da República, Ernesto Geisel, inclusive, visitou a fábrica. O empreendimento expandiu rapidamente e, com a falta de mão de obra, passou a empregar jovens abaixo da idade de 14 anos, o que era permitido na época.

A empresa passou a se envolver socialmente com a comunidade. Fontana conta que o papel do diretor-presidente Elimar Schaeffer (in memoriam) foi fundamental por conta da visão clara sobre a disciplina do próprio negócio e importância da oferta de melhores condições aos trabalhadores.

“Ele lutou para trazer ao município a farmácia e o Centro Esportivo do Sesi. Estimulou a criação do

Empresário Marco Antônio Fontana | Foto: Marco Mallmann

Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Calçadistas de Teutônia (Siticalte), em 1976; sugeriu a fundação da Escola Infantil Cirandinha (em atividade até hoje) e lutou por melhorias na iluminação pública, recorda Fontana.

Como o espaço na Carlos Arnt ficou pequeno, houve a necessidade de elaborar um projeto mais amplo, onde hoje funciona a Calçados Piccadilly. “Fizemos um prédio alto, com telhado tipo lareira, para ter bastante circulação do ar, com abertura também na parte inferior. O piso foi feito com tacos de madeira, o sistema de energia é todo aéreo, as máquinas conseguem manobrar sem entraves. Construímos um prédio arrojado, que até hoje serve como referência. Foi um grande crescimento, pois tive um laboratório em minhas mãos”, reconhece.

Estímulo ao conhecimento

Em 1980, a empresa passou a chamar-se Calçados Reifer Ltda., oportunidade em que a sociedade foi desfeita com o Curtume Augustin. Novos sócios entraram. O empresário assegura que os salários pagos, acima do mercado, e a preocupação com o ensino sempre foram pontos de destaque.

“Contratamos professores, em parceria com o Sesi, o Senai e também com as escolas da comunidade para dar aula à noite. Com isso, conseguimos fazer com que 100% dos funcionários tivessem, ao menos, o 1º Grau completo”. Ele se orgulha também de ter trazido a Ufrgs para oferecer, na empresa, aos funcionários com nível superior, o curso de pós-graduação em Engenharia de Produção. A Calçados Reifer Ltda. chegou a empregar, somando as filiais, cerca de 2,7 mil pessoas no auge de sua produção, entre os anos de 1990 e 2000.

O empresário aponta que a variação cambial, a perda de incentivos, e, sobretudo, a entrada da China no mercado, foram fatores decisivos para o fechamento, em 2007. “Vendíamos um calçado a US$ 12 aos EUA e a China fazia o produto por US$ 5. Sabíamos que o mercado interno não era uma boa opção, com base nas experiências vividas na época pelo sócio Reichert, de Campo Bom. Então decidimos parar enquanto ainda era tempo. Para mim, foi um drama. Tínhamos funcionários muito bons, diversas famílias ligadas à empresa há muitos anos”, lamenta.

Fontana sustenta que todas as indenizações e impostos foram pagos em dia. “Hoje, me emociono, quando vejo que filhos de ex-colaboradores, que iniciaram conosco, a partir dos 12 anos, hoje são médicos, advogados, empresários. Enfim, construíram seus próprios negócios e são bem-sucedidos. Me sinto feliz e realizado por ter contribuído com a indústria e o desenvolvimento da matriz no Bairro Canabarro, bem como em todos os municípios em que atuamos”, conclui Fontana.

Cenário atual

Hoje, Teutônia conta com 37 empresas calçadistas e 9 malharias. Em torno de 3 mil empregos são gerados. A Calçados Beira-Rio e a Piccadilly concentram a maior parte dos postos de trabalho, com ampla terceirização.

Roberto Müller, presidente do Siticalte | Foto: Marcel Lovato

Conforme o presidente do Siticalte, Roberto Müller, um dos grandes desafios é despertar o interesse do jovem, a fim de garantir a continuidade do setor.

Afinal, os trabalhadores mais antigos estão próximos da aposentadoria. “Precisamos mostrar o quanto as condições de trabalho evoluíram ao longo dos anos. Temos empregos, jornada menor que o comércio e, mesmo assim, as vagas não são preenchidas”, lamenta.

Fundamentais para uma empresa calçadista, as costureiras também estão ‘em extinção’ Há uma baixa procura, por exemplo, pelo curso de Corte e Costura. Müller lembra que o Siticalte foi pioneiro na oferta da especialização há 30 anos. Por conta dessa valorização, a mão de obra local é considerada diferenciada. Embora a tecnologia avance, com automação de processos e máquinas arrojadas, o dirigente trata a fabricação de calçados como uma arte essencialmente manual. Logo, sempre vai necessitar de pessoas.

Exportação e investimento

Müller classificou o setor calçadista como “cíclico”. Ele utilizou o exemplo das variações nas exportações locais. Atualmente, a taxa varia entre 25 e 35%, mas em fases críticas foi de apenas 5%. A Argentina, os Estados Unidos e mercado asiático são os principais destinos.

Uma das principais fabricantes da Europa, a Atlas arrematou o antigo prédio da Paquetá (que fechou em 2020)no ano passado. Especializada em calçados de segurança, a empresa reformou a estrutura e instalou letreiros. Ainda não há previsão de início das operações. Para Siticalte, a chegada representa um “investimento fantástico” para Teutônia e fortalece ainda mais a representatividade do polo calçadista.

Assembleia

O Siticalte empossou a diretoria para o mandato 2025-2029 em evento no último sábado, 29, no Ginásio do Centro Evangélico Martin Luther. Na presidência desde 1993, Müller vai seguir à frente do sindicato.

Houve renovação de metade da diretoria. Além disso, os associados com 20 anos ou mais de filiação receberam homenagens, com entrega de certificado e presentes. A entidade conta com 2,1 mil associados. Abrange Teutônia, Westfália, Paverama, Poço das Antas e Santa Clara do Sul. Nessas cinco cidades, são 4,7 mil profissionais.

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