A advogada Vera Lúcia de Souza Fontana, 74 anos, nasceu em 13 de dezembro de 1949, em Porto Alegre. Estudou em escola pública e, aos 15 anos, quase foi presa pelo Regime Militar. Formada em Direito na UFRGS, trabalhou como vendedora de enciclopédia, fez curso de computação na IBM, passou em vários concursos públicos. Sempre buscou independência, porque entendia que as mulheres eram muito reprimidas. Casou-se em 1975, com Marco Antônio Fontana, e veio para Teutônia, o que foi um verdadeiro choque cultural. Ao lado de outras mulheres, lutou para a criação da primeira creche de Teutônia, a Escola Cirandinha.
Como foi a sua experiência, como jovem aluna, com o Regime Militar que o Brasil vivia na década de 1960?
Vera Lúcia de Souza Fontana – Eu tinha por volta de 15 anos, era aluna do Colégio Júlio de Castilhos, o Julinho, repleto de jovens rebeldes. Então, de forma muito inocente, eu participei de uma encenação teatral, que protestava contra o regime. Minha parte no teatro era mais bucólica. No final da apresentação, todos foram presos, porque mantiveram as falas que o diretor havia mandado cortar e ainda taparam a pessoa morta na encenação com a bandeira do Brasil. Eu estava ali, mas não fui levada, porque logo eles perceberam que eu era uma criança e que na minha fala não havia nada de subversivo.
Como iniciou a vida profissional?
Vera – Meu pai, que antevia as coisas, dizia: “o futuro é o computador, então se tu queres ingressar no mercado de trabalho, vai fazer um curso da IBM para entender de computador”. Naquela época, os computadores eram do tamanho de uma parede inteira. Existiam rolos de fita que tinham que passar por uma máquina para fazer a perfuração nos cartões IBM, para depois decodificar e introduzir no computador, a fim de dar os efeitos esperados nas telas. Aqueles rolos eram tão grandes que eu, que sempre fui muito pequenininha, tinha que pedir ajuda para o estafeta do banco. Depois, fui para outro setor, trabalhando dois turnos e ganhando mais, até que entrei na faculdade. Fiz concurso para o Fórum e passei. Fui trabalhar na 2a Vara de Trânsito e, depois, no Tribunal, até me casar, em 1975.
E daí veio morar em Teutônia?
Vera – O meu marido já estava aqui. Quando eu cheguei, me deparei com aqueles telefones a manivela. Imagina, eu já trabalhando com computação, vir para o interior e ter que usar o telefone a manivela para conseguir falar com alguém. Meu pai, que era meu amigo e incentivador, ficou muito chateado quando vim para cá, porque entendia que isso era um retrocesso. Eu pedi cedência no Tribunal para Estrela, onde comecei a trabalhar, até que chamaram de volta a Porto Alegre. Nesse meio tempo, engravidei e trabalhei na capital até o final da gestação. Depois pedi exoneração para ficar em Teutônia.
E como surgiu a Cirandinha?
Vera – Quando entrei no Clube de Mães Lar da Amizade, as mulheres só se reuniam para trocar receita de bolo, fazer tricô e crochê. Eu também gostava daquilo, mas a gente queria mais. Como a CLT exigia uma creche caso uma empresa tivesse 100 funcionários, fizemos uma campanha e chamamos as mulheres para trabalhar na Calçados Reifer, porque a gente iria fundar uma escolinha. Foi um grito de liberdade para as mulheres. Foi um trabalho bonito, porque toda a comunidade se envolveu. Inauguramos a Cirandinha em 1979. Foi a primeira escola infantil do município. No início, muitas mulheres não aceitavam que seus filhos fossem cuidados por outra pessoa. Então, nossos filhos foram os primeiros alunos. Eu levava as atendentes para Porto Alegre para treinamento e, até o fim daquele ano, muitas mães começaram a colocar as crianças na creche. As mulheres começaram a trabalhar e achavam o máximo ganhar o dinheiro delas e ajudar a família. Quando a Calçados Reifer fechou, a maioria dos funcionários já tinha o seu carro ou casa própria. Hoje, a Cirandinha, que completou 45 anos no mês de junho, atende 175 crianças de 0 a 5 anos e conta com 35 funcionários. Nós assumimos o Opa Haus em meados da década de 1990. Hoje, conta com 39 idosos hospedados e um total de 25 funcionários.
Que balanço a senhora faz desse trabalho pelas entidades?
Vera – Eu acho que tudo que é para melhorar na comunidade é louvável, ainda mais quando as pessoas envolvidas não têm vaidades. Certa vez, subimos em um caminhão de lixo para recolher roupas e garrafas pet para obter algum dinheiro. Nós nos entregamos de corpo e alma, porque a gente acreditava que era uma coisa boa para a comunidade. Eu encontro até hoje gente daquela época que diz: “Que coisa boa aquela época da fábrica e da creche, quando nós pudemos sair para trabalhar”. Eu me sinto feliz mesmo, realizada. Se a gente não ajudar, não tem por que a gente viver. Eu acho que se a gente está bem, tem que estender a mão para os outros, tem que ajudar.