26 de abril de 2025
18ºC | Chuvas esparsas

SETEMBRO AMARELO

Apoio e compreensão como aliados para a valorização da vida

Dentro da campanha mundial de prevenção ao suicídio, ações de entidades locais buscam sensibilizar a comunidade a quebrar o tabu e fomentar o diálogo sobre o tema. Relato de quem superou a crise ajuda a inspirar outras pessoas

19/09/2024 | 16:38 Atualização: 05/03/2025 | 14:13
Trabalho na ONG Fazer Moradas ajudou Giordana (à esquerda) a superar de forma definitiva a depressão (Foto: Alexandre Miorim)
Trabalho na ONG Fazer Moradas ajudou Giordana (à esquerda) a superar de forma definitiva a depressão (Foto: Alexandre Miorim)

Uma crise financeira em meio à gestação. O sonho de ser mãe, formar uma família, construir uma casa, frustrado pela dificuldade em dar as condições desejadas à filha recém-nascida, sem depender de ajuda de outras pessoas. Essas circunstâncias levaram Giordana Satiq de Queiroz a um processo de depressão profunda, tão grave a ponto de tentar pôr fim à própria vida.

“Primeiro me deu vontade de não estar viva. Depois eu comecei a enxergar meios de como tirar a minha vida”, revela. Ela não se sentia uma boa mãe, uma boa esposa, uma boa pessoa. Por três vezes, esperou todos dormirem à noite, para sair de casa e tentar o ato extremo. Por detalhes, não conseguia e parava no hospital. Sem julgar, brigar ou condenar, o marido a buscava para irem “brincar com a bebê em casa”.

Hoje à frente da ONG Fazer Moradas, Giordana compartilha sua experiência como forma de sensibilizar, inspirar e ajudar outras pessoas a encontrarem o caminho para superar. Em quatro vídeos no Youtube, dentro do projeto “A morte pode esperar”, ela detalha como conseguiu ressignificar a sua vida, com o apoio e o amor incondicional de seu marido e, sobretudo, com a fé em Deus.

“O amor do Senhor Deus não se acaba, e a sua bondade não tem fim. A cada manhã se renova; e grande é a sua fidelidade” (Lamentações 3:22-23). Com ajuda dos ensinamentos bíblicos, Giordana voltou a ter esperança. Segundo ela, foi a intervenção divina que fez ela despertar para a compreensão de que aqueles pensamentos não eram “verdades”, não eram a vontade de Deus. Foi assim que aquela “pedra de mentiras” se desfez e o seu processo de cura começou.

Problema de saúde pública

Por pouco, Giordana não integrou os preocupantes indicadores sobre suicídio no Brasil. Classificado como um problema de saúde pública pelas autoridades sanitárias, soma cerca de 14 mil registros todos os anos. A cada dia, em média, 38 pessoas tiram a própria vida. Em nível global, conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), são mais de 700 mil mortes autoprovocadas por ano.

Ao trazer a análise para o RS, a Secretaria Estadual da Saúde registrou, em 2023, 1.548 casos. Desses, 80% foram entre homens. Com base nos dados preliminares do Informe Epidemiológico sobre o Suicídio, é possível apontar que, entre as autoagressões sem intenção de morte, a ocorrência é mais comum entre jovens. Já as tentativas de suicídio predominam entre pessoas adultas, com preponderância entre as mulheres. Nos óbitos, as maiores taxas ocorrem entre os idosos e entre o público masculino.

Na região da 16ª Coordenadoria Regional de Saúde, que abrange o Vale do Taquari, foram 58 óbitos notificados no ano passado, ficando na oitava posição entre 18 regiões.

Outro dado preocupante é que o RS ficou no topo da lista dos estados, na análise da Associação Brasileira de Medicina de Emergência (Abramede) sobre internações por lesões autoprovocadas, com aumento de 33% de 2022 para 2023.

Portas abertas

Para a microrregião de Teutônia, o principal ponto de referência para atender pessoas que enfrentam intenso sofrimento psíquico é o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS I) Melodias da Vida. Localizado na Avenida 1 Oeste, 878 (Centro Administrativo), o atendimento especializado oferece suporte para melhorar a qualidade de vida dos pacientes, adultos, adolescentes ou crianças, e integrá-los mais efetivamente na sociedade.

O Caps conta com uma equipe multidisciplinar, composta por médicos, psicólogos, assistente social, enfermeira, técnico de enfermagem, oficineiro e técnicos administrativos. A unidade trabalha com intervenções psicológicas e terapias direcionadas.

Conforme a coordenadora Daiana Graciele Bueno, a cada notificação relacionada a suicídio, é realizada uma busca ativa, por meio de contato com o paciente ou familiares, na tentativa de acolher e dar o suporte necessário. “Ainda realizamos a posvenção, que é todo cuidado prestado aos sobreviventes enlutados por um suicídio”, explica a psicóloga.

De acordo com Daiana, é preciso pensar em saúde mental durante todos os meses do ano, porém no mês de setembro as ações são mais intensivas. “O assunto é delicado, e as pessoas possuem receio de conversar sobre o tema. Embora já tenhamos avançado, ainda é considerado um tabu”, analisa.

Entre as atividades, há diversas ações para promover a conscientização e a prevenção. O tema é trabalhado dentro dos grupos e oficinas terapêuticas, no “cine-cuidado” (sessões de filmes aos pacientes), por meio da entrega de flyers no interior, junto ao Ônibus da Saúde, e da abordagem sobre o assunto nas salas de espera das unidades, entre outras ações. Neste ano, inclusive, há um espaço interativo dentro do Caps voltado a proporcionar reflexões e momentos de autocuidado.

Ações para quebrar o tabu

Para marcar o encerramento das atividades alusivas ao Setembro Amarelo, a equipe organiza, para a próxima segunda-feira, dia 23, a Mateada pela Vida. Com participação dos usuários do Caps, a ação ocorrerá junto aos piquetes do Acampamento Farroupilha de Teutônia.

“É preciso falar para desmistificar esse tema tão importante, criar uma cultura humanizada, com empatia e cuidado com a outra pessoa, seja ela um amigo, colega de trabalho ou familiar, pois pode estar precisando de ajuda. Acolha, pergunte, escute e ajude”, orienta Daiana.

Caps é um dos principais pontos de referência para quem sofre de transtornos psíquicos em Teutônia (Foto: Alexandre Miorim)

Girassois e reflexão

Quem passa em frente ao Parque Ipê, no Bairro Canabarro, Teutônia, se depara com a cerca decorada com girassois amarelos. Elaborado pelas crianças atendidas pela ONG Fazer Moradas, trata-se de um convite para a comunidade refletir sobre o tema. A entidade ainda prepara uma ação nas ruas para distribuir mensagens e abraços nos próximos dias.

Giordana, que encontrou no voluntariado a força para espantar de vez a sombra daqueles pensamentos perigosos, acredita que é necessário formar adultos capazes de lidar com suas frustrações e sentimentos de forma saudável. Em um ambiente que cultiva a cooperação e a solidariedade, não somente as crianças, mas as famílias e os voluntários são instigados a se tornarem cidadãos mais empáticos e conscientes.

“Suportar a dor e o sofrimento estando sozinho é muito mais difícil”

Josiane Delazeri Hilgert Bandeira é psicóloga, especialista em Saúde Coletiva, em Terapia Cognitivo Comportamental e Terapia do Esquema. Para ela, é preciso tirar o estigma em torno do assunto.

Por que é importante falar sobre suicídio?
Josiane Delazeri Hilgert Bandeira – Falar sobre suicídio é conversar sobre sofrimento e dor. Conversar sobre os momentos difíceis a que todos nós seres humanos estamos sujeitos, em diferentes fases das nossas vidas. Suportar a dor e o sofrimento estando sozinho é muito mais difícil do que quando compartilhamos com alguém nossos pensamentos, sentimentos e emoções. Pode ser um amigo, um familiar, um psicólogo, um profissional da saúde. Conversar sobre o suicídio é fomentar uma cultura de apoio e compreensão.

Quais fatores podem desencadear um ato extremo?
Josiane – Nossas emoções são importantes sinalizadores de nossa saúde mental. Sentir tristeza, ansiedade, raiva, alegria, é normal e importante. Mas, quando sentimos, por exemplo, tristeza na maior parte do tempo, com mais alguns sintomas como cansaço, diminuição da concentração e autoestima, ideias de culpa e inutilidade, acompanhados de mudanças no sono e no apetite, já estamos falando de depressão. A ansiedade, que também é normal e esperada, nos coloca em alerta quando nosso cérebro acredita estar em perigo. O problema será quando as preocupações estão exacerbadas, os pensamentos negativos não param e a angústia toma conta. Nesse momento, é muito importante buscar ajuda profissional. Também sabemos que a dependência de substâncias psicoativas, e dependência do álcool apresentam um índice considerável de suicídio, bem como outros transtornos graves.

Como apoiar alguém que esteja com a saúde mental fragilizada?
Josiane – Validar as emoções da pessoa, legitimar, valorizar o que ela fala e sente, é um modo de acolher. Ser humano é ser vulnerável em determinados momentos. Quando nos sentimos tristes, frágeis, é necessário e muito importante conversar, dialogar com alguém que nos valide e escute, sabendo pedir ajuda para quem está próximo. Convidar a pessoa para um passeio, um chimarrão, um café, uma caminhada, são atitudes simples e que geram conexão e apoio.

O que contribui com uma boa saúde mental?
Josiane – Autoconhecimento, escuta e valorização de si mesmo, autocompreensão. Estar com pessoas que amamos, dizer para os outros que os amamos, que nos sentimos felizes juntos. Compartilhar a vida, as situações boas e ruins, buscar se conectar com nossos familiares e amigos, presencialmente e virtualmente também. A atividade física é muito importante para uma boa saúde mental, bem como práticas espirituais, de relaxamento. Uma boa alimentação também ajuda. E quando for necessário, buscar psicoterapia com bons profissionais da psicologia e da psiquiatria, que são especialistas em saúde mental.

Leia também as Edições Impressas.

Assine o Informativo Regional e fique bem informado.