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LEGADOS CULTURAIS

Cultura é identidade e legado

Opinião de Everton Augustin, professor e gestor escolar

28/11/2024 | 14:55 Atualização: 10/01/2025 | 16:08

O quadro em que se insere esta coluna de opinião denomina-se Legados culturais. Legado é “o que se deixou a outrem ou à posteridade” e cultura, “conjunto de estruturas sociais, religiosas etc., que caracterizam uma sociedade”, definições do dicionário Larousse. Esses elementos são portadores e definidores de identidade. As culturas transplantadas para o Brasil extrapolaram fronteiras políticas e mantiveram-se reconhecíveis, de forma distinta, depois de séculos de convivência. Obviamente, as mesclas geram, por sua vez, novas manifestações identitárias e expressam novas culturas. Estas tornam-se um novo legado.

Um exemplo emblemático é a maneira como as religiões buscaram se adaptar para continuarem a ser praticadas. Os cultos africanos, por serem inicialmente proibidos na católica Terra Brasilis, encontraram no sincretismo uma forma de continuar existindo. Os filhos da África, por exemplo, adoravam a imagem de Nossa Senhora dos Navegantes como se fosse Iemanjá. Os luteranos exerciam sua fé em casas particulares ou pequenas escolas comunitárias, pois lhes era proibido ter templos com características de igreja. Adoro a história contada por uma das maiores autoridades em imigração alemã, o pastor Martin Dreher. Nos primórdios da comunidade luterana de Rio Claro, no interior paulista, o pastor decidiu pintar uma cruz na fachada da casa de cultos. Ao ser percebida pelas autoridades, foi-lhe solicitado que a removesse imediatamente. Astuto, ele juntou os vértices por meio de traços e explicou que aquilo não era uma cruz. Tratava-se de uma pipa, o que rendeu à edificação a alcunha de igreja da pipa. Muda-se a aparência, mas mantém-se o cerne identitário.

“As mesclas geram, por sua vez, novas manifestações identitárias e expressam novas culturas”

O rabino Nilton Bonder, em sua obra “A alma imoral” retrata a questão da transgressão como algo vital e dá como exemplo a situação de Abraão que, ao ter que oferecer o seu primogênito em sacrifício a Deus, ouve uma voz que orienta a substituição do filho mais velho por um cordeiro. Mudam-se os sacrificados, mantém-se a prática da oferenda. No monólogo homônimo, baseado na obra do rabino, a intérprete acrescenta a este trecho como que entre parênteses: “Que Deus é esse que sacrificaria suas crianças?” Lembrei de todas as crianças desse nosso maravilhoso mundo e de que algumas são sacrificadas diariamente, em vida.

Como tratamos nossas crianças? Alimentação saudável, educação, saúde, diálogo, acolhimento, oportunidade de desenvolvimento integram o ambiente que construímos e pelo qual ensinamos?

No contexto de oposição ao movimento nazista, formulou o teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer: “A moral de uma sociedade consiste naquilo que ela faz com suas crianças.”

Everton Augustin
Professor e gestor escolar

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