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SALÃO BÖHMER

Das memórias do velho casarão ao atual estado de abandono

Diversas gerações se divertiram nos concorridos bailes no século passado. Construído em 1910, prédio guarda lembranças para gerações e hoje tem futuro incerto

Por: Marcel Lovato e Marco Mallmann

08/08/2025 | 12:00
Casarão localizado no Bairro Boa Vista, em Teutônia, chama a atenção pelo estado de deterioração. Imóvel possui pouco mais de 545 metros quadrados e está à venda. Foto: Sara Ávila
Casarão localizado no Bairro Boa Vista, em Teutônia, chama a atenção pelo estado de deterioração. Imóvel possui pouco mais de 545 metros quadrados e está à venda. Foto: Sara Ávila

Quem circula pela ERS-419, se depara com um histórico prédio enxaimel no Bairro Boa Vista. Conhecido como Salão Böhmer, construído em 1910, é a memória visível e original do estilo de construção típica trazida pelos imigrantes alemães.

Durante décadas, o velho casarão foi símbolo de imponência na localidade, não apenas por seu tamanho, mas também por abrigar uma casa comercial que vendia desde tecido até roupas prontas, bijuterias, farinha e açúcar a granel, entre uma infinidade de artigos. Era um importante centro de compras para as comunidades próximas. Além disso, foi um salão de baile que marcou época, sediando os mais diversos eventos.

O ex-secretário de Educação de Teutônia e professor aposentado Selby Wallauer, 89 anos, natural da localidade, viveu a época áurea da estrutura. Ele relata que o salão foi construído em 1910, por seu bisavô, o carpinteiro e dono da primeira serraria de Boa Vista, Wilhelm Schonhorst, que veio da Alemanha, em 1869, com apenas 10 anos. Por isso mesmo, era conhecido como Schonhorstsaal (Salão Schonhorst), e considerado o mais moderno salão de baile e festas naquele período.

O historiador lembra que, em meados da década de 1940, Gustavo Ahlert e Leopoldo Wessel eram os proprietários. Ali

Anúncio do empreendimento publicado em revista comemorativa aos 75 anos de Estrela, em 1951. Foto: Acervo Selby Wallauer

funcionava uma casa comercial, que vendia uma variada gama de produtos adquiridos em Porto Alegre. Entre outras atividades, o local era utilizado para exibições diversas, como apresentações de mágicos e exibições de cinema, onde filmes da dupla O Gordo e o Magro e de faroeste (em preto e branco) faziam muito sucesso.

“No mês de maio, a tradição era o Teatro da Oase, em alemão, dirigido pelo casal Olívio e Hedel Dahmer. Era muito famoso, o salão lotava. Em 1948, eu tinha 12 anos, o grupo teatral se apresentou em Panambi, em 10 diferentes comunidades, com grande sucesso”. Como aquele era o único salão da comunidade, sua utilização servia para todo o tipo de evento: festas escolares e comunitárias, casamentos, reuniões políticas e, inclusive, por muitos anos, sediou a Seção Eleitoral Nº 24.

Bailes de Kerb e Carnaval

O salão passou por diferentes donos ao longo das décadas. Uma das lembranças mais marcantes são os bailes de Carnaval. E como a maior festa da cultura brasileira coincide com o Kerb – que é a data de fundação da igreja – da Comunidade Betânia, a casa sediava bailes lotados nas noites de domingo, segunda e terça-feira.

“Como a industrialização ainda não havia chegado a Teutônia, a grande maioria dos que participavam dos bailes eram filhos e filhas de agricultores. Eles não tinham horário a cumprir em empresas. Os bailes começavam cedo, por volta das 21h, e terminavam às 2h da madrugada. A Quarta-Feira de Cinzas era dia de dormir e curar a ressaca, além de marcar o início da Quaresma, que são os 40 dias anteriores à Páscoa, quando não aconteciam bailes ou festas, tradição que era muito respeitada por todos”, conta Wallauer.

A partir da década de 1960, já de propriedade do casal Kurt e Sueli Böhmer, o Salão Böhmer passou a ser conhecido também por promover bailes de Carnaval Infantil, outro evento muito frequentado e lembrado por grande parte da população acima dos 40 anos.

Ellen Bernadete, filha do casal Böhmer, conta que se criou dentro do salão. Nascida em 1964, ela confirma que a época do Kerb e do Carnaval é a que traz as maiores lembranças. “Começava já no domingo. De manhã havia culto, depois a orquestra tocava a partir da saída da igreja, conduzindo o público para o salão. Meus pais disponibilizaram chopp à vontade”. Ela confirma que os bailes de Carnaval iniciavam no domingo à noite, com 3 dias para adultos, e o Carnaval Infantil na segunda à tarde. “Vinha gente de todos os lados, Estrela, Lajeado. Enchia o salão. Meus pais faziam bandeirinhas, enfeitavam as ruas e dentro do salão, com balões, fitas e demais adereços”.

Nas segundas à noite, o baile era dedicado aos casais e as tradicionais “gildas” eram afixadas na estrutura superior, sendo que quem retirasse uma, respeitando a tradição, pagava uma determinada quantidade de cervejas. “Muitas pessoas hoje me encontram e relatam que iniciaram o namoro e tiveram nesse salão seus primeiros encontros”.

 

Futuro do prédio

O estado de conservação atual é um fator que traz preocupação. Parte do telhado cedeu e uma entrada lateral fica permanentemente aberta. Moradores entendem que o abandono da estrutura favorece a proliferação de roedores e outros animais.

“Sinto tristeza ao ver o prédio assim. Por mais velho que fosse, nós cuidávamos muito, fazíamos reforma do telhado, na pintura, trocávamos os vidros das janelas quando algum quebrava. Muitos falavam que o assoalho iria quebrar, porque ele balançava quando a pista estava lotada. Mas, por volta de 1995, eu e meu irmão (Vanderlei Böhmer – in memoriam) retiramos a madeira e colocamos piso de concreto. Daí vimos como a estrutura era forte. Havia tronco de árvores que sustentavam o assoalho. Muitas vezes eu falo para o meu marido e meus filhos que, se minha mãe ainda fosse viva e visse o atual estado, acho que ela iria morrer de tristeza”, lamenta.

Para a ex-proprietária, o prédio poderia ser restaurado e aproveitado para algum empreendimento. “Sinceramente, tenho o sonho de que isto aconteça”.  Wallauer concorda com esta opinião. “É uma pena. É um prédio que conta a história e foi muito importante para a localidade. Em todas as reuniões das quais participei nos últimos anos, os conterrâneos sempre falavam da necessidade de reforma. O telhado está ruim, mas a estrutura é sólida, firme, tudo feito com madeiras de lei. Acredito que haja a possibilidade de restauração”, completa Wallauer.  Ele entende, inclusive, que seja viável a desmontagem e remontagem da estrutura em outro local, o que possibilitaria preservar, ao menos, parte do patrimônio arquitetônico.

O atual proprietário adquiriu o imóvel através de leilão de instituição bancária, há cerca de quatro anos, em uma oportunidade de negócio. O prédio está à venda, inclusive anunciado em imobiliária local. Em relação ao futuro, caberá ao comprador decidir o que será feito com a estrutura.

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