Quem passa pela Rua Major Bandeira ou ingressa no Centro Comercial ‘Casa Velha’ talvez nem imagine a representatividade daquele imóvel em estilo enxaimel, posicionado no coração do Bairro Languiru. Aos 90 anos, a construção sustenta uma imponência própria e carrega o testemunho do desenvolvimento social e econômico.
O professor Selby Wallauer destaca que o prédio foi construído em 1935 por Emílio Gräeff com o auxílio de dezenas de operários. A obra teria sido feita, segundo ele, com recursos provenientes de um bilhete premiado pela extinta Loteria do Estado do Rio Grande do Sul (Lotergs). Com o dinheiro, o construtor também comprou um Ford 1929.
Também existe a versão, citada pelas proprietárias atuais, de que a madeira pertencia ao antigo Salão Hauenstein, localizado no Bairro Canabarro, desmontado e transferido para o atual endereço. Selby acredita na possibilidade, mas afirma não conhecer essa história.

Emílio Graeff e a esposa Georgina junto ao Ford, e operários que ergueram o prédio em 1935. Construção possui versões distintas. Foto: Acervo Selby Wallauer
Ponto de encontro
De acordo com o historiador, diversos estabelecimentos ocuparam o prédio, alguns ao mesmo tempo. Entre eles: salão de bailes, rodoviária, sessões de cinema conduzidas especialmente por Bruno Bruxel, hotel, cancha de bocha e, muitos anos depois, distribuidora de bebidas. No âmbito dos ônibus, as principais empresas eram a Sulina, que fazia a rota até Porto Alegre, e a Maratá, responsável pelo trajeto entre Teutônia e Poço das Antas.
Havia, inclusive, o ditado “depois que o Maratá passou, está liberado”, bastante conhecido na cidade, referência para uma “permissão” ao consumo de bebidas alcoólicas após o coletivo seguir seu rumo. Selby lembra que o bar estava localizado ao lado do guichê de passagens.
O espaço ainda sediou teatros em alemão promovidos pelas Oases, celebrações natalinas com direito a pinheiros repletos de velas, confirmações e casamentos – no período anterior ao templo da Comunidade Evangélica Martin Luther –, entrega de boletins da Escola Gomes Freire de Andrade e inúmeros comícios. Entre os históricos exemplos, as tentativas de emancipação, eleições, e reuniões dos “Integralistas”, movimento nacional de oposição ao governo de Getúlio Vargas que possuía lideranças na microrregião. Eles eram identificados pelo uso de camisas verdes.
“A Casa Velha foi o centro das atrações e contribuiu para o desenvolvimento de Languiru por meio do esporte,
cultura, lazer e demais atividades de promoção da vida social”, afirma Selby. Albino e Arnildo Gräbin, além de Eduardo Lindemann, foram os três primeiros proprietários. Mais tarde, Elton Klepker, muito antes de ser prefeito, adquiriu o prédio. Nos anos 1970, transferiu-o para Adelmo Osterkamp.
Das bebidas à inovação
Desde 21 de outubro de 1975, o prédio pertence à mesma família. De acordo com a viúva de Adelmo, Gerda Osterkamp, eles possuíam um comércio de bebidas em Linha Clara Fundos e diariamente faziam o transporte até a sede da Polar, em Estrela, além da distribuição nos mais diversos estabelecimentos.
Certo dia, Klepker, que conhecia Adelmo desde os tempos de parceria profissional na Cooperativa Languiru nos anos 1950/1960, chamou-o para uma conversa e propôs a transferência do negócio para um local mais central, equivalente a quase metade do caminho.
A ideia era simples: que os Osterkamp adquirissem o prédio para a instalação do empreendimento, tanto para facilitar a logística quanto para desenvolver o ainda Distrito de Languiru. Inicialmente, Bruno Tiggemann, pai de Gerda e sócio da empresa, não concordou, mas acabou convencido sobre os benefícios da mudança. Adelmo, então, fechou acordo com Klepker e, em nome da amizade, foram estabelecidas condições de quitação facilitadas no prazo de cinco anos.

Comércio de bebidas de Adelmo Osterkamp em 1987. Empreendimento funcionou no local por cerca de 14 anos e transformou a vida da família. Foto: Acervo Família Osterkamp
Com o início das atividades em Languiru, a empresa, que era especializada em produtos Antarctica, passou a concorrer com uma revendedora da Brahma. Na época, as marcas dominavam o mercado de bebidas brasileiro. Logo, essa disputa contribuiu para retomar a aceleração econômica daquela região.
“Nós dividíamos espaço com as caixas e desde pequenas, nossas filhas, Elke Elena e Ana Elisa, nos ajudaram muito. Fornecemos bebidas para as festas de toda a microrregião, independentemente do horário com os nossos caminhões. Era um trabalho árduo, mas recompensador”, lembra Gerda. Ela cita, ainda, que frequentou bailes no salão décadas antes de ser proprietária. A operação no local durou pouco mais de 14 anos.
Entre 1989 e 1990, Adelmo mudou o endereço da revenda. A partir daquele momento, a família, em decisão conjunta, promoveu reformas para transformação do prédio em um “conceito de minishopping”, o primeiro centro comercial do bairro, e uma novidade, inclusive, para a microrregião naquele período.

Elke Elena, o patriarca Adelmo, Gerda e Ana Elisa em frente ao Centro Comercial. Foto: Acervo Família Osterkamp
A espinha dorsal arquitetônica foi mantida nessa e nas intervenções posteriores, principalmente pela importância histórica. Lojas de esportes, calçados, artesanato e restaurante foram alguns dos primeiros inquilinos. “O termo Casa Velha, inclusive, surgiu de um concurso comunitário e partiu de um comerciante que ocupava um dos espaços e era de Encantado. Sugeriram também “Anelke”, que juntaria o meu nome com o da minha irmã, “O Casarão”, entre outros”, destaca Elke.
Para ela, o pai foi um visionário ao apostar nos empreendimentos. Também menciona a gratidão dele a Klepker e enfatiza a relação de amizade que ambos construíram por décadas e se estendeu ao campo político.
“Jamais pensamos em demolir o prédio. Nós fomos muito felizes no meio das caixas. Então, enquanto nós conseguirmos, vamos conservar as memórias. Acima de tudo, permaneceremos unidos. Mais que isso, centenas de pessoas possuem memórias afetivas com este lugar”, completa Gerda. Esses, acrescenta, eram desejos de Adelmo, que faleceu no dia 29 de dezembro de 2023. O empresário também foi vereador na década de 1990, com uma das maiores votações da época.
Remodelação
Instalada desde 2015 no “Casa Velha”, a matriz do Quiero Café será expandida no primeiro semestre de 2026. Conforme o CEO Matheus Fell, ele e o sócio, Luis Felipe Ferreira, apresentaram a ideia aos proprietários e “evoluções foram construídas em conjunto”. Houve ofertas de outros pontos, mas a “manutenção das raízes e o cultivo da essência e DNA presentes desde o início da história” prevaleceram.
O projeto prevê área externa, novos banheiros, espaço kids maior e mais mesas. Dos atuais 60 m², o ponto passará a contar com 350 m². “Na concepção, trouxemos a atualização da marca, novos móveis, cores e texturas, mas procuramos manter as características do imóvel e deste Centro que faz parte da história da cidade”, exalta Matheus.

Instalada no prédio há 10 anos, matriz do Quiero Café será ampliada nos próximos meses e contará com novo layout. Foto: Quiero Café/Divulgação

