“Foi o 20 de setembro, o precursor da liberdade”. O trecho do hino Rio-Grandense lembra o dia em que Porto Alegre foi tomada por estancieiros, liderados por Bento Gonçalves, num levante contra as políticas fiscais que prejudicavam o charque, uma das bases da economia gaúcha, e a falta de autonomia provincial frente ao Império.
Neste sábado, o início da Guerra dos Farrapos, a mais longa da história brasileira, completa 190 anos. Para muitos, um marco da bravura e luta pela liberdade que construíram a identidade dos pampas.
Refúgios na região
Conforme o escritor e historiador Guido Lang, a participação da microrregião foi periférica. “Como Teutônia ainda não havia sido colonizada – o território era cercado por matas –, se tornou refúgio eventual de famílias e para esconder gado e cavalo, grande preferência dos combatentes”, destaca. Também houve incursões durante fugas de tropas.
O Vale dos Sinos, onde as famílias alemãs se instalaram quando chegaram ao Rio Grande do Sul e origem dos colonizadores de Teutônia, foi um dos principais eixos. Lang afirma que muitas casas foram invadidas pelos farrapos. Por conta disso, a maioria teria sido fiel ao Império, o que contribuiu para acirrar os ânimos, uma vez que houve divisão nas comunidades.
No livro “Paverama: Ontem e hoje”, a escritora Nair Dupont explica que o nome “Morro dos Cavalos” surgiu nessa época. Segunda ela, a formação rochosa serviu de esconderijo para soldados durante a guerra e também como ponto de troca dos animais fatigados pelos descansados. A autora menciona que isso se repetiu na Revolução Federalista.
Há gerações, moradores também reproduzem o boato de que Anita Garibaldi, uma das principais personagens farroupilhas, teria pernoitado com a tropa no Morro. Ao amanhecer, o grupo seguiu para Taquari, a fim de encontrar o general David Canabarro. Nair menciona, ainda, que homens locais se voluntariaram nos combates. No entanto, não existem registros sobre quem eles eram, tampouco qual lado escolheram.
O conflito mais próximo da atual microrregião – e o maior em número de combatentes – ocorreu em 3 de maio de 1840, na localidade de Caramujo, em Taquari. Em “História do Rio Grande do Sul”, o autor Fidélis Barbosa escreve que as tropas de Bento Gonçalves mobilizaram 5 mil homens, e os imperiais, comandados por Manuel Jorge Rodrigues, 4,6 mil. Foram 88 mortos e 229 feridos. Todavia, nada foi decidido. Depois, Manuel recebeu o título de “Barão de Taquari”.
Fim da guerra
Em 1º de março de 1845, com a assinatura do Tratado de Poncho Verde, a guerra terminou. O principal acordo era o direito do povo indicar os representantes da província, anistia geral aos revoltosos, compensação financeira e incorporação da dívida da República Rio-Grandense pelo governo imperial
Referências posteriores
Com o passar dos anos, lideranças da Revolução Farroupilha (e de outras guerras) foram homenageadas em ruas, praças, bairros e escolas por todo o Estado. Em Teutônia, o nome “Canabarro” é o caso mais evidente. Lang cita as alterações de alguns nomes durante a Campanha da Nacionalização, promovida pelo governo de Getúlio Vargas, que visava diminuir a influência dos imigrantes, especialmente alemães. No pano de fundo, a Segunda Guerra.
Desta forma, o Glück Auf (Picada da Boa Sorte), o nome original, foi alterado pelo governo de Estrela para “Distrito de Canabarro” em 1938. “Na Boa Vista, a escola era chamada de Escola Particular Boa Vista, mas aí se mudou para Bento Gonçalves. Os nomes nunca tiveram relação com a história de Teutônia. Foi uma tentativa de erradicar a cultura germânica”, acrescenta Lang.
Para o escritor, a Revolução Farroupilha é, de certa forma, “romanceada”, pois, na verdade, os farrapos foram derrotados, uma vez que a independência da província, por exemplo, não foi alcançada. Ele aponta, ainda, o desconhecimento da história do Rio Grande do Sul por boa parte do público.
Um novo conflito
Entre 1893 e 1895, o estado vivenciou a Revolução Federalista, que envolveu os Ximangos, ligados ao Partido Republicano Riograndense (PRR), do presidente do estado (governador) Júlio de Castilhos; e os Federalistas (Maragatos), liderados por Gaspar Silveira Martins, ex-monarquista.
O modelo castilhista defendia a centralização do poder de uma república recém-proclamada. Eram identificados pelos lenços brancos. Por outro lado, os Federalistas eram favoráveis à autonomia das províncias e usavam o lenço vermelho.
Após a eleição de Júlio de Castilhos, o movimento oposicionista, somado às tensões políticas e sociais, resultou na invasão do território gaúcho, via Aceguá, pelos Maragatos, em 2 de fevereiro de 1893.
Muitos estavam exilados no Uruguai. Eles receberam esse nome por conta da presença de descendentes de espanhóis da região de Maragatería. Quatro meses depois, a revolta chegou ao Vale do Taquari.
Das dores à reação
De acordo com o pesquisador Selby Wallauer, os Maragatos “invadiram casas e estabelecimentos à procura de armas, dinheiro e comida” em diferentes pontos da Colônia Teutônia. Causaram dor e sofrimento. Roubavam também animais, como as mulas criadas pelo seu bisavô, Guilherme Schonhorst.
Nessas ações, praticaram uma série de assassinatos. Entre eles, as mortes dos alemães Karl Dickel e Phillip Frank. Carl tinha o costume de levantar o lenço correspondente à tropa que passava pela sua casa, em Boa Vista. Um dia, por equívoco, exibiu o da cor rival e acabou alvejado.
Já Frank foi degolado no Morro da Linha Capivara. Essa forma de matar era a mais utilizada em função da rapidez e falta de condições para aprisionar quem se opunha. Ambos estão sepultados lado a lado no Cemitério Evangélica de Boa Vista. Além das identificações, as lápides trazem a frase “morreram em mãos assassinas”, grafada em alemão.

Com a colônia já desenvolvida, Teutônia sofreu com as ações violentas de Maragatos entre 1893 e 1895. Grupos agiram em diferentes pontos. Foto: Acervo Selby Wallauer
Mais tarde, um canhão foi trazido de Taquari e posicionado nos arredores da atual sede da Languiru, de onde jogou granadas para afugentar os Maragatos, que se posicionavam do outro lado da ponte sobre o Arroio Boa Vista. E, da torre da Igreja do Bairro Teutônia, o alemão Guilherme Gewehr disparou tiros de fuzil. Com a ofensiva local, os invasores fugiram e nunca mais retornaram.
Com pelo menos dez mil mortos, foi um dos conflitos mais sangrentos da história brasileira. A guerra terminou em 23 de agosto de 1895, com a assinatura do Tratado de Paz de Pelotas, motivada, especialmente, pelo enfraquecimento das lideranças.
Ximangos e Maragatos duelaram, mais uma vez, na Revolução de 1923, quando Assisistas, liderados por Assis Brasil, aderiram à revolta armada para derrubar Borges de Medeiros, que sucedeu Júlio de Castilhos no poder após sua morte prematura e pretendia exercê-lo até o fim da vida.
Os lenços
Historicamente, os lenços carregam significados ligados às identidades políticas opostas e à cultura do estado. Na Revolução Farroupilha, o lenço vermelho foi associado aos revolucionários farroupilhas, enquanto outras cores eram usadas pelos diferentes grupos. Depois, vieram os Ximangos e Maragatos, Borgistas e Assisistas. Ou seja, o acessório transcendeu as guerras e permaneceu na memória.
Com a criação do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), em 1947, o lenço foi incorporado à indumentária. Ganhou uma função cultural e novas cores, hoje usadas tanto por gosto pessoal quanto ligação familiar, ou para representar determinada entidade. Assim, mantém duplo significado: a memória histórica das lutas e divisões políticas; e a valorização da identidade gaúcha.