A fuga das mazelas sociais como fome e as guerras aliadas à busca de oportunidades e melhores condições para reescrever as próprias trajetórias. Essa união de fatores trouxe milhares de imigrantes italianos ao Brasil a partir de 1874. No Rio Grande do Sul, a chegada ocorreu no dia 20 de maio de 1875, uma quinta-feira, quando as famílias de Stefano Crippa, Tommaso Radaelli e Luigi Sperafico chegaram a Nova Milano, atual distrito de Farroupilha. Ao todo, eram 13 pessoas.
Um pioneirismo que transformou a história gaúcha. Nos anos seguintes, estabeleceram-se as colônias Caxias, Dona Isabel – sediada em Bento Gonçalves – e Conde D’Eu, correspondente a Garibaldi. Fora da Serra, a Quarta Colônia e a Colônia Maciel, em Pelotas. Conforme o Governo do Estado, o primeiro ciclo migratório ocorreu até 1914, com a vinda de 84 mil imigrantes. O ápice, contudo, foi entre 1884 e 1894, quando 60 mil chegaram ao Estado.
Apesar da predominância germânica, a colonização também se fez presente na nossa microrregião, principalmente em Boa Vista do Sul – onde é mais evidente – e Imigrante. No município serrano , uma das comunidades que preserva a influência italiana é a São Roque de Castro, fundada em 1888. Professor de Estudos Sociais e autor do livro “Boa Vista do Sul: na ponta do lápis”, Mauro Lucian sempre viveu no local. É o caçula de seis irmãos. Seu avô, Ângelo Lucian, foi um dos primeiros moradores. Segundo ele, a ocupação do território foi semelhante a outras cidades da Serra.
Epopeia e simbolismos
“Os imigrantes chegavam para o Rio de Janeiro e se deslocavam ao Rio Grande do Sul, até Porto Alegre. De Porto Alegre a Montenegro, e de Montenegro para cá. Vinham de maneiras diversas, a pé, em carroças. Chegando a Garibaldi, que era o núcleo principal da volta, recebiam algum alojamento e dali eram destinados a determinadas áreas”, analisa Lucian. “Muitos pousaram sob a copa das árvores, em grutas e tinham de buscar a própria alimentação”. Ou seja, enfrentaram diversas dificuldades.
Cerca de 50 metros à frente da residência de Lucian, foi erguida, ainda em 1906, a Capela São Roque de Castro. Mais tarde, na década de 1920, os moradores construíram uma torre toda em madeira de cabriúva e pinheiro. Já os três sinos, de tamanhos distintos, da Fundição João Bellini, de Garibaldi, o qual a comunidade esteve vinculada durante anos. “A própria construção da igreja, com torre de sino, os capiteis, são a simbologia máxima da fé, da representatividade, da religiosidade desse povo”,acrescenta o professor.
Lucian reforça que tais ações demonstravam o espírito comunitário, de doação e coletividade. A força do trabalho se observava, sobretudo, na agricultura e pecuária, tanto para consumo familiar quanto para comercialização. Entre os destaques, o plantio de milho e trigo, fabricação de farinha, pães, cucas, biscoitos, cultivo da uva e a produção de vinho, vinagre, leite, queijo. A continuidade desses costumes passa pela conciliação entre a vida moderna e a preservação das tradições.

Centenárias, Capela São Roque de Castro e torre do sino simbolizam a religiosidade do povo italiano | Foto: Sara Ávila
Aspectos em Daltro Filho
Diferentemente de outras cidades da região, Imigrante teve o território ‘repartido’. Enquanto os alemães se estabeleceram em Arroio da Seca, os italianos fincaram raízes em Daltro Filho. De acordo com o professor e historiador, Sérgio Barili, que vive desde 1977 na localidade, a ocupação se deu no começo do século XX, quando colonos de Conde D’Eu (atual Garibaldi) desceram a Serra. Nos tempos áureos, havia até hotel e rodoviária.
Sobre essa migração, Barili afirma que se trata de um processo natural, observado em outros locais do estado. “Os imigrantes buscaram outras frentes de trabalho, de cultivo, condições melhores para se estabelecerem. À medida que núcleos se formavam, também eram criadas igrejas”, explica. Questionado sobre as marcas da colonização, ele afirma que hoje boa parte existe “apenas na memória”. Muitas construções de madeira se deterioraram com o tempo.
Atualmente, os exemplares mais visíveis estão localizados na parte alta da localidade. No “centro” da localidade, pouco se nota essa influência. Por outro lado, há a compreensão de que uma mudança de cultura está em andamento. Barili afirma que as novas gerações olham com mais atenção à preservação, percebem a importância de valorizar o legado dos antepassados.
Rota dos Capitéis
Os dois municípios fazem parte da Rota dos Capitéis, que abrange outras oito cidades da Serra. Ao todo, são 252 capitéis, 175 capelas, 23 grutas, 16 igrejas e duas ermidas. Destas, 36 apenas em Boa Vista do Sul, como a própria Capela São Roque de Castro e a Gruta Nossa Senhora de Lourdes, estruturada ainda nos anos 1940. No dia 6 de março, em comemoração ao sesquicentenário da Imigração, foi inaugurada a sinalização.
“O fato de se planejar uma Rota dos Capitéis mostra que alguém está nos vendo, sabe que existimos, está nos dando valor. E não só a nós, como ao que foi construído com muito esforço, talvez lágrimas. Isso tem um valor significativo muito grande. O maior desafio que nós temos é nós vivenciarmos melhor o presente, se não há um presente bem feito, não há um futuro a esperar”, se emociona Lucian.
“Sempre perto do RS”
Há cerca de duas semanas, a Federação das Entidades Empresariais no RS (Federasul) promoveu uma edição especial do “Tá na Mesa”, com a presença do embaixador da Itália no país, Alessandro Cortese, e do cônsul italiano no Estado, Valerio Caruso. O evento estreitou laços econômicos e culturais entre as nações.
“A Itália está sempre perto do Rio Grande do Sul”, afirmou Cortese, ao relembrar o contexto histórico e as ajudas humanitárias do ano passado. Sobre a Rota dos Capiteis, exaltou a iniciativa no âmbito do reforço dos vínculos culturais. No âmbito econômico, analisou o acordo de livre comércio entre União Europeia e Mercosul. Para ele, Rio Grande do Sul e Itália têm muito a ganhar, pois haverá mais visibilidade a produtos como o vinho e possibilidade maior de fechamento de negócios.
Acerca das regras mais restritas para concessão da Cidadania Italiana – agora autorizada apenas para filhos e netos – o embaixador afirma ter confiança em uma revisão que flexibilize a normativa. Hoje, cerca de 4 milhões de gaúchos possuem descendência. Quem encaminhou o pedido até 28 de março não será impactado.