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150 ANOS DA IMIGRAÇÃO ITALIANA

Legados resistem ao tempo e reforçam importância da preservação

Fé, perseverança e trabalho moldaram o desenvolvimento de comunidades. Na microrregião, Boa Vista do Sul e Daltro Filho são exemplos dessas marcas

Por: Marcel Lovato

23/05/2025 | 10:50 Atualização: 23/05/2025 | 14:18
Com porão e telhado alto, características da arquitetura colonial, a casa foi construída pelos pais de Mauro Lucian há mais de 60 anos e é preservada no interior de Boa Vista do Sul | Foto: Marcel Lovato
Com porão e telhado alto, características da arquitetura colonial, a casa foi construída pelos pais de Mauro Lucian há mais de 60 anos e é preservada no interior de Boa Vista do Sul | Foto: Marcel Lovato

A fuga das mazelas sociais como fome e as guerras aliadas à busca de oportunidades e melhores condições para reescrever as próprias traje­tórias. Essa união de fatores trouxe milhares de imigrantes italianos ao Brasil a partir de 1874. No Rio Grande do Sul, a chegada ocorreu no dia 20 de maio de 1875, uma quinta­-feira, quando as famílias de Stefano Crippa, Tommaso Radaelli e Luigi Sperafico chegaram a Nova Milano, atual distrito de Farroupilha. Ao todo, eram 13 pessoas.

Um pioneirismo que transformou a história gaú­cha. Nos anos seguintes, es­tabeleceram-se as colônias Caxias, Dona Isabel – sediada em Bento Gonçalves – e Con­de D’Eu, correspondente a Ga­ribaldi. Fora da Serra, a Quarta Colônia e a Colônia Maciel, em Pelotas. Conforme o Go­verno do Estado, o primeiro ciclo migratório ocorreu até 1914, com a vinda de 84 mil imigrantes. O ápice, contudo, foi entre 1884 e 1894, quando 60 mil chegaram ao Estado.

Apesar da predominância germânica, a colonização tam­bém se fez presente na nossa microrregião, principalmente em Boa Vista do Sul – onde é mais evidente – e Imigrante. No município serrano , uma das comunidades que preser­va a influência italiana é a São Roque de Castro, fundada em 1888. Professor de Estudos Sociais e autor do livro “Boa Vista do Sul: na ponta do lápis”, Mauro Lucian sempre viveu no local. É o caçula de seis irmãos. Seu avô, Ângelo Lucian, foi um dos primeiros moradores. Segundo ele, a ocupação do território foi semelhante a outras cidades da Serra.

Epopeia e simbolismos

“Os imigrantes chegavam para o Rio de Janeiro e se deslocavam ao Rio Grande do Sul, até Porto Alegre. De Porto Alegre a Montenegro, e de Montenegro para cá. Vinham de maneiras diversas, a pé, em carroças. Chegando a Garibaldi, que era o núcleo principal da volta, recebiam algum alojamento e dali eram destinados a determinadas áreas”, analisa Lucian. “Muitos pousaram sob a copa das árvores, em grutas e tinham de buscar a própria alimentação”. Ou seja, enfrentaram diversas dificuldades.

Cerca de 50 metros à fren­te da residência de Lucian, foi erguida, ainda em 1906, a Capela São Roque de Castro. Mais tarde, na década de 1920, os moradores construíram uma torre toda em madeira de cabriúva e pinheiro. Já os três sinos, de tamanhos distintos, da Fundição João Bellini, de Garibaldi, o qual a comunida­de esteve vinculada durante anos. “A própria construção da igreja, com torre de sino, os capiteis, são a simbologia máxima da fé, da representati­vidade, da religiosidade desse povo”,acrescenta o professor.

Lucian reforça que tais ações demonstravam o espí­rito comunitário, de doação e coletividade. A força do tra­balho se observava, sobretudo, na agricultura e pecuária, tanto para consumo familiar quanto para comercialização. Entre os destaques, o plantio de milho e trigo, fabricação de farinha, pães, cucas, biscoitos, cultivo da uva e a produção de vinho, vinagre, leite, queijo. A continuidade desses costumes passa pela conciliação entre a vida moderna e a preservação das tradições.

Centenárias, Capela São Roque de Castro e torre do sino simbolizam a religiosidade do povo italiano | Foto: Sara Ávila

Aspectos em Daltro Filho

Diferentemente de outras cidades da região, Imigrante teve o território ‘repartido’. Enquanto os alemães se es­tabeleceram em Arroio da Seca, os italianos fincaram raízes em Daltro Filho. De acordo com o professor e historiador, Sérgio Barili, que vive desde 1977 na localidade, a ocupação se deu no começo do século XX, quando colonos de Conde D’Eu (atual Gari­baldi) desceram a Serra. Nos tempos áureos, havia até hotel e rodoviária.

Sobre essa migração, Ba­rili afirma que se trata de um processo natural, observado em outros locais do estado. “Os imigrantes buscaram outras frentes de trabalho, de cultivo, condições melho­res para se estabelecerem. À medida que núcleos se for­mavam, também eram criadas igrejas”, explica. Questionado sobre as marcas da coloniza­ção, ele afirma que hoje boa parte existe “apenas na me­mória”. Muitas construções de madeira se deterioraram com o tempo.

Atualmente, os exem­plares mais visíveis estão localizados na parte alta da localidade. No “centro” da localidade, pouco se nota essa influência. Por outro lado, há a compreensão de que uma mudança de cultura está em andamento. Barili afirma que as novas gerações olham com mais atenção à preservação, percebem a importância de valorizar o legado dos ante­passados.

Rota dos Capitéis

Os dois municípios fazem parte da Rota dos Capitéis, que abrange outras oito ci­dades da Serra. Ao todo, são 252 capitéis, 175 capelas, 23 grutas, 16 igrejas e duas ermidas. Destas, 36 apenas em Boa Vista do Sul, como a própria Capela São Roque de Castro e a Gruta Nossa Senhora de Lourdes, estrutu­rada ainda nos anos 1940. No dia 6 de março, em comemo­ração ao sesquicentenário da Imigração, foi inaugurada a sinalização.

“O fato de se planejar uma Rota dos Capitéis mostra que alguém está nos vendo, sabe que existimos, está nos dando valor. E não só a nós, como ao que foi construído com muito esforço, talvez lágrimas. Isso tem um valor significativo muito grande. O maior desafio que nós temos é nós vivenciarmos melhor o presente, se não há um presente bem feito, não há um futuro a esperar”, se emociona Lucian.

“Sempre perto do RS”

Há cerca de duas sema­nas, a Federação das Enti­dades Empresariais no RS (Federasul) promoveu uma edição especial do “Tá na Mesa”, com a presença do embaixador da Itália no país, Alessandro Cortese, e do côn­sul italiano no Estado, Valerio Caruso. O evento estreitou laços econômicos e culturais entre as nações.

“A Itália está sempre per­to do Rio Grande do Sul”, afirmou Cortese, ao relem­brar o contexto histórico e as ajudas humanitárias do ano passado. Sobre a Rota dos Capiteis, exaltou a iniciativa no âmbito do reforço dos vínculos culturais. No âmbito econômico, analisou o acor­do de livre comércio entre União Europeia e Mercosul. Para ele, Rio Grande do Sul e Itália têm muito a ganhar, pois haverá mais visibilidade a produtos como o vinho e possibilidade maior de fecha­mento de negócios.

Acerca das regras mais restritas para concessão da Cidadania Italiana – ago­ra autorizada apenas para filhos e netos – o embaixa­dor afirma ter confiança em uma revisão que flexibilize a normativa. Hoje, cerca de 4 milhões de gaúchos pos­suem descendência. Quem encaminhou o pedido até 28 de março não será impactado.

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