Em meio às chuvas torrenciais da noite de 30 de abril, o casal Paulo e Marlene Diesel retornava a sua residência, na Linha Harmonia Alta, interior de Teutônia. Local idealizado como um “refúgio” cercado por belas paisagens, representava o “lar dos sonhos” da família.
No entanto, ao chegarem em casa, algo já chamou a atenção: a porta não queria abrir. Ao acessarem por outra entrada, algumas rachaduras na parede e, de repente, barulhos vindos do solo. “Só nos olhamos e falamos ‘vamos sair daqui o quanto antes’. Pegamos algumas coisas e fomos para a casa de uma de nossas filhas. Ao sair, o portão já não queria mais abrir”, conta Paulo.
A saída foi em tempo. No dia seguinte, chegaram as primeiras imagens da movimentação do solo na Linha Harmonia devido à enxurrada. Junto às fotografias, o pedido da Defesa Civil: era necessário evacuar a área imediatamente. Um dos locais mais afetados foi justamente a propriedade da família Diesel. Uma rachadura começou a se transformar em cratera entre a estrada da localidade e a propriedade, impossibilitando o acesso.
Mais rachaduras e elevações no solo revelam posteriormente aquilo que Paulo e Marlene não queriam ver: a casa dos sonhos corria risco de desabar. Rachaduras que eram pequenas abriram frestas nas paredes, pilares ficaram inclinados e o piso do subsolo levantou.
“Na hora pensamos que iríamos perder tudo”, revela Paulo. Pouco a pouco, com a ajuda de vizinhos, os móveis da residência foram acomodados, inicialmente, no salão comunitário localizado entre a propriedade e a Escola Municipal Guilherme Rotermund.

Em Linha Harmonia, rachaduras e fissuras dificultam tráfego e acessos a propriedades (Foto: Édson Schaeffer)
Monitoramento constante
Dia após dia, novas rachaduras aparecem e o risco de desabamento é iminente. O casal foi morar no Bairro Teutônia e quase que diariamente volta à Linha Harmonia. A família corre contra o tempo para salvar o que ainda é possível, como aberturas, pisos, entre outros. Alguns móveis também precisam ser retirados. Morar no local é inviável, mas a ideia é seguir, por ora, com a horta e o pomar.
Um dos pontos de maior preocupação durante o ápice da catástrofe ambiental, o morro da Linha Harmonia até hoje recebe monitoramento constante. As fissuras e desníveis são perceptíveis e alertam quanto à instabilidade do solo.
Conforme o secretário municipal de Planejamento, Mobilidade Urbana e Segurança Pública, Alexandre Etgeton, o governo de Teutônia aguarda recursos da Defesa Civil Nacional para um projeto, já aprovado, de implantação de sistema de drenagem, contenção e recuperação do pavimento de vias. O valor orçado é de R$ 1,1 milhão, incluindo ainda obras de pavimentação na Estrada Geral da Linha Pontes Filho.

Cratera no Morro de Areia, na Linha Ribeiro, é uma das mais emblemáticas marcas da catástrofe ambiental em Teutônia (Foto: Nícolas Mallmann)
Uma cratera na Ribeiro
Entre as chagas da maior tragédia climática do RS, o deslizamento junto à Estrada Geral da Linha Ribeiro é um dos pontos de maior evidência. O solo arenoso cedeu em grande profundidade, oferecendo risco aos moradores do entorno. O deslocamento obrigou a desocupação de duas residências, onde moravam três famílias. Cones e placas alertam para perigos aos condutores que trafegam pela localidade.
Segundo Etgeton, Teutônia aguarda ainda retorno da Defesa Civil Nacional para avançar na construção de uma estrutura de contenção na encosta e reduzir os riscos de deslizamentos em futuras enxurradas. O projeto está em análise e, se aprovado, pode receber aporte financeiro da União, em valor aproximado de também R$ 1,1 milhão.

Em Pontes Filho, município conclui projeto para construção de uma nova ponte sobre o Arroio Boa Vista (Foto: Marco Mallmann)
Nova ligação em Pontes Filho
Enquanto a situação da Linha Ribeiro está em compasso de espera, outra localidade bastante prejudicada pela enchente está prestes a ser contemplada com recursos do governo federal. Trata-se da ponte sobre o Arroio Boa Vista, em Pontes Filho, que sofreu graves danos com a elevação do manancial. Com pouca altura, a passagem é interditada com frequência quando ocorre a elevação do nível das águas.
O município conta com cerca de R$ 1,2 milhão da Defesa Civil Nacional para a construção de uma nova ponte. Etgeton explica que a obra está em fase de contratação de projeto. A tendência é que os trabalhos iniciem nos primeiros meses de 2025 e tenham duração de dez meses a um ano, devido à complexidade. Mais alta, com vão maior e duas pistas, a futura ligação vai melhorar a mobilidade e o escoamento da produção local. Será construída ao lado da antiga, então o andamento da obra não deve prejudicar o tráfego.
Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR), Liane Brackmann, enfatiza a relevância da ponte para o escoamento da produção de áreas bastante produtivas do município. Além de interligar boa parte do interior de Teutônia, a passagem é utilizada para o deslocamento a Poço das Antas e Westfália. Apesar de ainda transitável, o asfalto nos trechos que dão acesso à ponte foi destruído.

Transamazônica segue sem ligação, o que prejudica produtores locais (Foto: Marco Mallmann)
Problemas aos produtores
A reconstrução de outra ponte do interior, na estrada conhecida como “Transamazônica”, totalmente levada pela enchente, contudo, está fora das prioridades. A administração municipal tentou incluí-la nos pedidos de liberação da Defesa Civil Nacional, mas não obteve êxito, em meio às demandas mais urgentes.
A presidente do STR lamenta a perda da estrutura, que servia de ligação alternativa entre a Estrada da Várzea e a ERS-419. Apesar do fato de que a pequena ponte não recebia tanto fluxo do escoamento produtivo, cerca de dez famílias hoje são obrigadas a fazer um percurso bem maior para acessar a rodovia.
Entre as dificuldades geradas aos produtores, Liane ainda menciona problemas em acessos de propriedades, asfaltos danificados, estradas de terra que não puderam receber manutenção devido aos problemas mais graves que consumiram horas-máquinas e materiais disponíveis da prefeitura, entre outros obstáculos. Ela lembra também que a enchente alterou o leito dos mananciais, o que exige a revisão e reconstrução das Áreas de Preservação Permanente (APP).
Reforço técnico
Após a catástrofe, a administração municipal de Teutônia contratou uma equipe de geologia. A Konda Geologia Ambiental LTDA está encarregada de dar suporte às demandas técnicas relativas aos danos causados pelas enchentes e enxurradas. Entre as atividades, está a elaboração de projeto para o desassoreamento, em parceria com o governo do estado, dos arroios Harmonia, Schmidt e Boa Vista.
Além dos projetos que disputam recursos junto ao governo federal, de acordo com Etgeton, o governo de Teutônia utilizou mais de R$ 500 mil na melhoria de estradas, recuperação de vias e recolhimento de entulhos.