16 de abril de 2025
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CANTO CORAL

Novas estratégias buscam perpetuar antiga tradição

Movimento que caracteriza o município de Teutônia enfrentou adversidades em meio à pandemia, com o encerramento de quase metade dos grupos. Para garantir a continuidade do legado dos antepassados, novas iniciativas surgem e abrem perspectivas de renovação. Fomentar a participação de jovens nos coros, reduzir os custos de manutenção dos regentes às entidades e promover ações de maior visibilidade à arte estão entre os principais desafios.

29/08/2024 | 17:05 Atualização: 05/03/2025 | 14:13
Projeto Um Novo Cantar busca estimular o apreço pela arte ancestral nas escolas municipais (Foto: Édson Luis Schaeffer)
Projeto Um Novo Cantar busca estimular o apreço pela arte ancestral nas escolas municipais (Foto: Édson Luis Schaeffer)

A “Capital Nacional do Canto Coral” ou a “Cidade que Canta e Encanta”. Ambas fazem referência a uma tradição que acompanha Teutônia desde os primórdios da colonização.

Aqui os germânicos chegaram com poucos pertences, mas a Bíblia e o hinário não podiam faltar na bagagem. O canto amenizava o fardo do trabalho duro e a saudade da pátria distante, acompanhava as celebrações religiosas e os momentos fúnebres e sempre funcionou como importante ferramenta de inserção e integração social.

O município viveu o auge do canto coral nos anos 80 e 90, com mais de 50 grupos em atividade. Porém, com o êxodo rural, principalmente com os jovens indo viver nos centros urbanos, veio o envelhecimento dos grupos, junto com a falta de renovação.

Mesmo assim, até a pandemia de covid-19, eram 40 os corais comunitários que estavam em atividade. No entanto, o vírus colocou de vez em xeque a sobrevivência de grande parte deles.

“Foi um momento muito complicado. Tínhamos a sensação de que tudo iria acabar. Ouvíamos os relatos dos coralistas e a situação era mesmo desesperadora, muitos paralisaram as atividades”, lembra o presidente da Associação dos Corais de Teutônia (Acote), Fabiano Eckel.

Estratégias de preservação

Desde então, a retomada é gradual. Hoje, 22 grupos filiados à Acote estão novamente em atividade e o 23º, em Linha São Jacó, confirmou que vai recomeçar. Além disso, há outros corais, não ligados à associação, em funcionamento. “Estamos novamente numa crescente, inclusive com o projeto Um Novo Cantar, que vem sendo desenvolvido desde o ano passado pela regente Christie Kelly Hoffmann Gums (veja entrevista abaixo)”, conta Eckel.

Voltado a estudantes das escolas municipais, este pode ser o embrião de uma nova leva de cantores para integrar, inclusive, os corais do interior. “Temos um envelhecimento muito grande nos corais hoje. Entendemos que precisamos fazer essa sucessão”, reconhece, credenciando a ideia à presidente anterior da Acote, Rosita Schneider. Eckel destaca que é importante inovar também na área da regência, trazendo novos arranjos, com instrumentos, considerando que isto estimula a entrada de novos cantores.

Sobre o encerramento das atividades de corais após a pandemia, Eckel está seguro de que estas entidades podem retornar, se houver um “alívio” no pagamento dos regentes. “Este é o custo mais preocupante, e o meu sonho é negociar com o município para custear esse valor”, adianta, lembrando que em municípios como Estrela e Westfália funciona dessa maneira.

O presidente sugere ainda que algo pode ser feito para que haja apresentações de corais no Centro Administrativo, reforçando o título de “Capital Nacional do Canto Coral”.

Martin Altevogt está à frente do Coral Municipal e do Coral Anos Dourados (Foto: Divulgação)

Fortalecer vínculos

Outra proposta na esteira da preservação é o projeto Teutônia Cultural, que desenvolve cerca de 30 oficinas, de diferentes modalidades. Entre elas, estão o Coral Municipal Infanto-Juvenil, que também seleciona alunos da faixa dos 11 aos 18 anos nas escolas, a cada dois anos, regido por Marlon Gausmann; o Coral Municipal de Teutônia (adultos) e o Coral Municipal Anos Dourados (cantores da terceira idade), ambos regidos por Martin Altevogt.

Formado em Regência Coral pela UFRGS e pós-graduado em Regência Coral pela Universidade Federal da Bahia, Martin Altevogt conta que sempre teve a intenção de dar mais visibilidade à arte do canto. “A ideia é mostrar que canto coral é música de qualidade, é legado cultural dos antepassados e, também, um espaço de motivação, inclusão social e integração. É felicidade para quem pratica e para quem aprecia”, celebra.

Licenciado em música pela Uergs, com vários cursos de regência, técnica e preparação vocal pela Federação de Coros do Rio Grande do Sul (Fecors), Marlon Gausmann atesta que o canto proporciona uma transformação benéfica para o corpo e a mente, além de ser uma ferramenta de interação social. “A pessoa pode se apresentar, pode estar inserida culturalmente numa comunidade e isso faz bem. Sair de casa para fazer uma coisa que se gosta, ser vista, ser lembrada”.

Ele aposta no estímulo aos jovens desde pequenos. “Formar um coral na escola, no Natal, no Dia dos Pais, no Dia das Mães e em outras festividades, cantar nas festas. Isso vai fortalecendo o vínculo desses jovens com o canto”, ressalta.

Coral Cristo Rei do Bairro Languiru, com regência de Marlon Gausmann, durante café colonial do Lions Clube (Foto: Dionisio Meurer)

Renovar e diversificar

Quanto ao trabalho de regente, Gausmann destaca a necessidade de se atualizar, trazer músicas e arranjos que sejam novos, da atualidade, ideias que façam com que os jovens se interessem. “No Coral Infanto-Juvenil, a gente tenta perguntar que estilo e tipo de músicas eles gostam. Eles trazem algumas opções no início do ano e eu escolho aquelas que mais se adaptam ao canto coral e que também trazem alguma mensagem”.

Acerca da preservação do legado, ele sugere que o principal é pensar uma política educacional voltada à manutenção, iniciando pelo estímulo ao canto nas escolas, passando pela ajuda aos corais, subsidiando o custo dos regentes, além do próprio estímulo à formação de novos maestros.

Já Martin Altevogt entende que o surgimento de grupos jovens, de corais de empresas e associações favorece a manutenção do canto na cidade. “Isso enriquece e diversifica a arte. Sabemos que, na crise pós-pandemia, alguns grupos encerraram as atividades, mas isso passa e penso que sairemos fortalecidos”, acredita.

Para tanto, é preciso superar o dilema sobre manter as tradições intocadas ou permitir se abrir às renovações. “Temos que refletir e agir rápido. Dar mais atenção e investir pesado na criação de grupos infantis e jovens, manter e ampliar os projetos existentes, propor ações de educação através de concertos didáticos, contratar profissionais habilitados, procurar novos espaços para se apresentar”, enumera.

Altevogt ainda frisa que formatos diferentes, como o flash mob, em que os cantores “surgem” do público caminhando e cantando pelo espaço, de diversos lugares, e aos poucos se juntam na formação tradicional, chamam atenção e criam gosto nas pessoas. “Podemos cantar à capela, com acompanhamento de instrumentos, fazer parceria com artistas locais. Temos que ser criativos, ocupar os espaços da mídia e atingir um número maior de pessoas”, defende.

ORIGENS DOS SLOGANS:

  • “Cidade que Canta e Encanta”: A Secretaria Municipal de cultura organizou, em 2001, um concurso cultural para escolher o slogan permanente de Teutônia. A frase vencedora é de autoria de Édison Griesbach.
  • “Capital Nacional do Canto Coral”: O título foi concedido em 2017 pelo Congresso Nacional. O projeto foi proposto pelo então deputado federal Ronaldo Zulke (PT-RS). A tramitação durou sete anos.

“O incentivo é fundamental desde a infância”

A capixaba Christie Kelly Hoffmann Gums, 22, está à frente do projeto “Um Novo Cantar”, uma parceria da Acote com a Secretaria Municipal de Educação, que visa estimular nas crianças o apreço pelo canto coral. Com formação técnica em música, pela Associação Diacônica Luterana do Espírito Santo, trabalha desde o ano passado como professora de música em escolas do município.

Como surgiu o convite para integrar o projeto “Um Novo Cantar”?
Christie Kelly Hoffmann Gums – Desde que eu cheguei aqui em Teutônia, trabalho na Paróquia Evangélica Teutônia Sul, no Bairro Canabarro, como professora de música e musicista nos cultos da Igreja Luterana. Foi daí que a Rosita Schneider, que é da diretoria da Acote, conheceu o meu trabalho. Então, em conversa com a diretoria, eles entraram em consenso para me convidar a estar à frente do projeto “Um Novo Cantar”.

Qual a importância de trabalhar o canto coral nas escolas?
Christie – O incentivo é fundamental desde a infância, porque são diversas as formas de trabalhar o canto coral. É diferente você trabalhar com crianças, com adolescentes, com jovens, com adultos e com idosos. O uso da metodologia, da teoria musical, a aplicação, são completamente diferentes. Nas escolas eu vejo essa necessidade, porque as crianças não têm a musicalidade presente como os pais delas tiveram na infância. A maioria nunca teve contato com o canto coral, nunca teve essa vivência musical. A musicalização infantil é importante para o desenvolvimento cognitivo e da coordenação motora. Como eu fui professora de musicalização infantil, desde bebês até os 9 anos, era muito perceptível a diferença dos alunos que tinham e dos que não tinham esse contato.

Esse projeto pode render frutos na formação de novos coralistas?
Christie – Esse acompanhamento musical desde a infância é o presente e o futuro dos nossos corais aqui de Teutônia. É fundamental ter não apenas corais adultos, corais mistos, de idosos, das Oases ou os comunitários, mas também corais infantis. Eu vejo que tem poucos e existem muitas crianças que poderiam participar. Os pais e os avós cantam e a maioria talvez não teve a oportunidade de participar desde pequeno. Então eu acredito que esse é um campo a ser investido.

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