A igreja da Comunidade Católica São José, por si só, já chama a atenção de quem passa pela localidade de Santa Manoela, interior de Paverama, por sua arquitetura e beleza ímpar. Mas o que muitas pessoas não fazem ideia é que seu interior preserva um dos maiores patrimônios culturais do Vale do Taquari. São diversas pinturas e inscrições nas paredes e no teto, no idioma alemão, que retratam a fé dos imigrantes que colonizaram a localidade e que, agora, precisam ser restauradas.
Algumas deteriorações na estrutura, decorrentes da ação do tempo, do uso e até mesmo das condições climáticas e ambientais exigem intervenções no templo. Mas, até mesmo um simples reparo precisa ser cuidadoso, sob o risco de danificar as pinturas artísticas feitas em 1925 – ou seja, há quase 100 anos – por João Inácio Rech, conhecido como Irmão Nilo. Em uma das paredes, onde está o mezanino, já é visível a ação do tempo. A pintura se deteriora e apenas poucos traços, incluindo o rosto de uma santa, ainda permanecem.
Por isso, a comunidade busca apoio do poder público para restaurar o templo e, assim, preservar as obras de arte das demais paredes e, ainda, do forro, este totalmente de madeira. A originalidade dos trechos bíblicos, imagens de santos e figuras celestiais que completam a maior parte dos espaços da capela só é afetada por manchas brancas que tapam inscrições em alemão. Resultado de um decreto do governo federal, que proibia expressões em língua estrangeira no ápice da Segunda Guerra Mundial, em 1942.
O presidente da comunidade, Hélio José dos Santos, o “Alonso”, e sua esposa, Neide, juntamente com os demais membros e a Paróquia Nossa Senhora do Rosário, de Paverama, procuram incansavelmente formas de restaurar as obras de arte. No entanto, como a restauração exige um trabalho especializado, o investimento necessário é alto. “Em um orçamento realizado há algum tempo, o valor da restauração beirava R$ 1,5 milhão”, conta Santos.
Diversas conversas ocorreram com a atual administração municipal. O novo governo eleito também já foi contatado e sinalizou na possibilidade de investir na restauração do templo com o aporte de recursos federais, o que dá à diretoria uma luz no fim do túnel. “Não podemos deixar essa história, essa riqueza se apagar. A igreja e sua arte fazem parte da nossa história e simbolizam a nossa fé. Mas, mais que isso, ela é capítulo importante da história de Paverama e, por isso, precisamos dessa ajuda do poder público, antes que seja tarde demais”, afirma o presidente.

Romeu Kunrath dedicou mais de 50 anos a ajudar na preservação do templo (Foto: Édson Luís Schaeffer)
51 anos dedicados à igreja
Da janela de sua casa, o professor aposentado Romeu Kunrath, 79 anos, e sua esposa Noeli Jantsch Kunrath, 71 anos, vê o templo que faz parte de sua história e tem a esperança de que a restauração ocorra o mais breve possível. “Dediquei 51 anos da minha vida a esta igreja e à comunidade. Hoje só não faço mais porque minha saúde não permite”, ressalta.
Ele viu de perto a luta da comunidade em preservar o templo e sabe, como poucos, a história do local. Seu pai era professor da escola da localidade, construída quase em frente ao templo. Anos depois, Kunrath assume a missão de ensinar. Atrelado a isso, vem a função de substituir o pároco em diversos momentos, como as celebrações nos dias que não havia missas e as encomendações fúnebres.
Com o apoio da esposa, organizava a sacristia para as missas, ornamentava a igreja e tocava o sino, o que o levou a ser conhecido como guardião do templo. Dedicação que o fez herdar a casa construída em 1898, onde atualmente residente e que serviu, por muito tempo, como moradia do professor. “Muito do que sou, devo à esta comunidade. Ela é parte da minha vida. Por isso, a restauração de sua arte é preservar uma história de amor, carinho, dedicação e união desta comunidade, que tanto contribui com o desenvolvimento de Paverama”, sublinha.
Festa anual
Se depender dos aproximadamente 230 membros, a Comunidade Católica São José seguirá mostrando a sua força em Paverama e na região. Isso promete ficar evidente no dia 27 de outubro, quando ocorre a tradicional festa anual, que inicia às 10h com missa, seguida de almoço, a partir das 11h30min, ao custo de R$ 50,00. À tarde, baile com Banda La Paloma, a partir das 14h, e Os Atuais, às 17h. “Venha conhecer nossa comunidade e celebrar conosco”, convida o presidente, Hélio José dos Santos.
Saiba mais
Com pedra fundamental lançada em 1912, o prédio se mantém idêntico ao que era no século passado. Dentre as únicas mudanças, estão a substituição do piso e da iluminação, a troca do telhado – posteriormente novamente restaurado, devido a um temporal – e a automatização do sino.
O templo se localiza a cerca de seis quilômetros do Centro de Paverama. No segundo e quarto domingo de cada mês, às 8h30min, ocorrem as missas no local. Já no primeiro domingo de cada mês ocorre a oração do terço, também às 8h30min. Embora esteja fechada no restante do tempo, a comunidade é solícita e abre o espaço aos turistas, sob agendamento.

Presidente da comunidade, Hélio José dos Santos, mostra, em uma das paredes, os danos à pintura, já quase irreversíveis (Foto: Édson Luís Schaeffer)
Esforço pelo tombamento
O pároco da Paróquia Nossa Senhora do Rosário, padre Marcos Leandro de Oliveira, ressalta que a capela é um patrimônio histórico e religioso de Paverama. “Não só pela idade, mas pelo que ela representou e representa para o povo simples que lançou suas bases na localidade sem se esquecer de louvar a Deus pelas graças concedidas. A arte simples, mas de muito bom gosto, expressa uma religiosidade genuína e sui generis, de uma comunidade que procura dar a Deus honra e majestade com aquilo que tem nas mãos e no coração”, pontua. Segundo ele, várias reuniões já ocorreram para restaurar o templo, mas o custo elevado dificulta avançar no tema.
A coordenadora de Cultura de Paverama, Erenilta Corrêa Bernardo, entende que o tombamento do local seria a melhor forma de conseguir patrocínios para a restauração via leis de incentivo. “Já tivemos conversas com a comunidade, mas os projetos iniciais para o tombamento também exigiriam um valor bem expressivo. Mas, sim, sabemos da importância deste espaço para o município de Paverama, pela sua riqueza histórica e cultural, sendo um grande potencial ainda a ser explorado”, frisa.
A prefeita eleita para a gestão 2025-2028, Michele Vargas, da mesma forma, destaca a importância da capela São José para o município, tanto na arquitetura quanto em sua riqueza artística, e confirma que o município será parceiro, na medida do possível, na restauração do templo. “Esta igreja certamente é um grande orgulho do nosso município. Havendo a possibilidade legal, com toda certeza temos a intenção de contribuir na restauração deste espaço magnífico”, enaltece.