1 de maio de 2025
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ENCHENTE DE MAIO DE 2024

Um ano após a cheia, projetos de reconstrução seguem em ritmo lento

Algumas obras de infraestrutura iniciaram apenas nos dois últimos meses. Outras sequer têm previsão

Por: Marcel Lovato

01/05/2025 | 09:01 Atualização: 01/05/2025 | 09:26

Este início de maio marca o primeiro aniversário da maior tragédia ambiental da história do Rio Grande do Sul. Dados oficiais do governo do estado indicam que a enchente de grandes proporções e os inúmeros deslizamentos deixaram um saldo de 184 mortes, 25 desaparecidos, 804 feridos e 2,4 milhões de pessoas afetadas em 478 dos 497 municípios. O Vale do Taquari foi uma das regiões mais atingidas.

Embora em menor escala, na comparação com outras áreas do Vale, Teutônia e arredores sofreram os impactos do evento climático extremo, com o transbordamento de arroios e córregos, deslizamentos e obstrução de vias. Sete pessoas morreram por conta das inundações ou movimentos de massa. Foram três em território teutoniense, duas em Paverama e duas em Boa Vista do Sul. Um ano depois, boa parte das pontes, travessias e demais intervenções de infraestrutura seguem em ritmo lento.

Panorama das obras

Devido aos trâmites burocráticos, os avanços ainda são tímidos em Teutônia, cidade que concentra o maior volume de projetos de reconstrução (confira o infográfico ao final da reportagem). Atingida por desmoronamentos e enxurradas, a estrada de Linha Harmonia Alta passa por recuperação do pavimento em três trechos mais críticos. A obra iniciou no dia 11 de abril. O orçamento enviado pela Defesa Civil é de R$ 946,5 mil.

Em março, a Secretaria de Obras, Viação e Transportes já havia executado a canalização, drenagem, limpeza de valetas e capeamento asfáltico entre o trevo de acesso à localidade até o cemitério.

Danificada por causa da elevação do Arroio Boa Vista, a reconstrução da ponte em Linha Pontes Filho ainda não iniciou. Orçada em cerca de R$ 1,2 milhão, a obra foi licitada recentemente pelo Executivo e a documentação encaminhada para análise da Defesa Civil Nacional. Após, deverá ser feito o repasse dos recursos para, enfim, iniciar os trabalhos. A previsão é de que isso ocorra no decorrer deste mês.

Diferentemente da anterior, a nova estrutura terá vão maior, duas pistas e será mais alta, a fim de evitar eventuais interrupções quando houver novas intervenções e melhorar o escoamento da produção. A obra deve durar até um ano. Como a construção se dará ao lado da estrutura antiga, não haverá prejuízos ao tráfego.

Em Linha Harmonia, movimentos de massa foram uma das principais preocupações das autoridades e moradores durante a catástrofe. Intervenções seguem em andamento na localidade. Foto: SARA ÁVILA

“Transamazônica” e Linha Ribeiro

Há duas semanas, a câmara de Teutônia aprovou a abertura de crédito adicional especial no valor de R$ 942.438,74 para a recuperação da encosta na Estrada Geral da Linha Ribeiro, na região conhecida como Morro de Areia. O recurso foi encaminhado pelo Governo Federal, via Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil, e prevê a reconstrução de 50 metros do asfalto e inclusão de muro de contenção (gabião) de 28 metros por 6,5 metros.

Um deslizamento de terra levou um veículo, parte de uma residência e da pista de rodagem após a enxurrada de 12 de maio de 2024. Desde então, a via conta com um desvio.

Apesar da tentativa, o pedido de liberação de recursos para a ponte da estrada conhecida como “Transamazônica”, que servia de ligação alternativa entre a Estrada da Várzea e a ERS-419, foi indeferido. Desde então, o trecho segue bloqueado.

Existe a possibilidade de uma parceria público-privada para construção de uma estrutura que suportaria até 40 toneladas por meio do programa Reconstroi-RS (que une Instituto Ling, Federasul e Instituto Cultural Floresta). O contato inicial foi feito recentemente pela Câmara da Indústria, Comércio e Serviços do Vale do Taquari (CIC-VT) e a expectativa é de evolução das tratativas nas próximas semanas.

Pela primeira vez na história, ERS-128 precisou ser
interditada na ponte sobre o Arroio Boa Vista. Foto: ADRIANO LEPPA / DIVULGAÇÃO

Desassoreamento

Outra reivindicação local, o desassoreamento iniciou há pouco mais de uma semana nos arroios Schmidt e Boa Vista, respectivamente, nas localidades de Linhas Cuba e Pontes Filho. O serviço ocorre com recursos do Programa Desassorear RS, do Governo do Estado. Segundo o Executivo, o investimento é de R$ 790 mil. A previsão é de que sejam removidos cerca de 19 mil m³ de detritos nesta etapa.

O município também pleiteia, junto à Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Metropolitano (Sedur), a inclusão de outros pontos que precisam ser desassoreados ao longo dos arroios, além do Schmidt, nas proximidades da Várzea e no Bairro Alesgut.

Respostas ao desastre

Coordenador da Defesa Civil e subsecretário de Planejamento, Mobilidade Urbana e Segurança Pública de Teutônia, Marco Antônio Frank afirma que a cidade sequer possuía uma estrutura constituída para lidar com eventos climáticos extremos. Também não havia a ‘cultura de Defesa Civil’. Ele lamentou os três óbitos registrados por causa da cheia do Arroio Boa Vista.

Na época das inundações, foram tomadas ações emergenciais como o monitoramento ‘a olho nu’, evacuação de áreas de risco e interdição de imóveis. Teutônia serviu como ponto de apoio para doações e demais questões voltadas à assistência social.

Em paralelo, o município reformulou o plano de contingência completo, que abrange diferentes tipos de adversidades climáticas e a própria criação da cultura de Defesa Civil, com coletes e a elaboração de uma identidade visual. O órgão, então, foi regulamentado por lei com coordenadoria, fundo próprio e conselho.

Outra medida a ser implementada é a instalação de réguas físicas e depois eletrônicas às margens dos arroios. Contudo, ainda não há previsão concreta. Um veículo mais adequado para locais de difícil acesso igualmente está nos planos. Em ambos os casos, é preciso o apoio externo e o triunfo sobre a burocracia.

Lições

Em Pontes Filho, um dos principais danos foi a destruição da ponte em direção à Linha Clara. Passagem foi recuperada e receberá melhorias. Foto: DIVULGAÇÃO

Se o avanço das águas é facilmente perceptível, a maior dificuldade reside no monitoramento das movimentações de massa, como as que ocorreram em Linha Harmonia. Embora apresente sinais por meio das rachaduras, por exemplo, e sejam feitos os alertas, a hora em que haverá o deslizamento (ou se isso acontecer) torna-se uma incógnita. No segundo semestre de 2024, uma equipe de geólogos analisou a situação dos morros.

“Estamos em um aperfeiçoamento constante e hoje preparados, de acordo com a magnitude do evento climático. O que ainda precisamos fazer é convencer as pessoas sobre a necessidade de atenção aos protocolos da Defesa Civil. Elas têm de entender. Além disso, defendo que o assunto deveria estar no currículo das escolas”, conclui.


ENTREVISTA: “Enchentes extremas podem ser cinco vezes mais frequentes”

 

Maria Angélica Cardoso é meteorologista do Núcleo de Informações Hidrometeorológicas (NIH) da Univates. Para ela, embora seja impossível precisar a data de uma nova inundação de grandes dimensões no estado, as probabilidades podem ser identificadas.

Quais foram os fatores que desencadearam o excesso de chuvas há um ano?
Maria Angélica Cardoso – As chuvas foram resultado de uma combinação de fatores. Havia um cavado, que é uma corrente intensa de vento, agindo sobre a região, o que fazia com que o tempo ficasse instável. Isso se somou a um corredor de umidade vindo da Amazônia, que aumentou a força da chuva. O cenário foi agravado por um bloqueio atmosférico, reflexo da onda de calor, que fez com que o centro do país ficasse seco e quente. Assim, a chuva se concentrou nos extremos. O início de maio de 2024 ainda estava sob a influência do fenômeno El Niño, responsável por aquecer as águas do Oceano Pacífico, contribuindo também para que áreas de instabilidade ficassem sobre o estado. O Oceano Atlântico Tropical também registrou aquecimento recorde. Portanto, o evento foi consequência de um complexo cenário oceânico-atmosférico, resultado da variabilidade natural do clima (como o El Niño) e com origem antrópica. Ou seja, o aquecimento do planeta provocado pela atividade humana.

Como está a conjuntura climática atual?
Maria Angélica – O outono deste ano apresenta um cenário totalmente diferente. Os dados analisados mostram um padrão atmosférico regional e global muito distinto. Em 2024, o fenômeno El Niño atuou no Oceano Pacífico Equatorial. Já 2025, começou com o fenômeno La Niña e o mês de abril apresentou condições de neutralidade climática. Neutralidade é frequentemente confundida com normalidade, mas historicamente podem ocorrer tanto extremos de El Niño como de La Niña. Segundo as projeções dos modelos climáticos, o sinal de precipitação para a maior parte do Sul do Brasil neste outono tem características mais de La Niña, com chuva abaixo da média, enquanto na temperatura o sinal é mais de El Niño, com temperaturas ligeiramente acima da média.

É possível prever quando poderemos ter outra enchente de grandes dimensões?
Maria Angélica – Não é possível prever com precisão a data de uma nova enchente de grandes dimensões no Rio Grande do Sul. Contudo, é possível identificar fatores que aumentam a probabilidade de eventos semelhantes acontecerem. A tendência é que, diante das mudanças climáticas, o tempo de intervalo ou recorrência entre estes eventos tende a diminuir. Um estudo da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) aponta que enchentes extremas, como o desastre climático de maio de 2024, podem ser cinco vezes mais frequentes. Eventos que hoje ocorrem, em média, a cada 50 anos, podem acontecer no futuro a cada 10. De acordo com o estudo, as enchentes também evidenciaram as vulnerabilidades existentes no planejamento urbano, na gestão de recursos hídricos e na comunicação de riscos à população.

Enchente de maio de 2024 vitimou ao menos sete pessoas na microrregião de Teutônia.

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